terça-feira, novembro 29, 2005

Triálogo

- Eu te conheço do transporte que a gente pegava junto. Você pegava com seu Perón, não era?
- Ah, bem que eu tava tentando lembrar de onde te conhecia.
- Seu Perón? Quem é seu Perón?
- Ah, o transporte escolar que a gente pegava.
- Ele tá vivo ainda.
- Nossa, "vivo ainda", humor negro!
- Você tem um irmão né?
- Tenho. Infelizmente.
- (riso abafado)
- ...
- Brincadeira.


Rafael Rodrigues

Haikai da separação

- Lívia, acabou...
- Ufa!

Victor Caparica tem 24 anos, é cronista, aluno da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, e gosta de ser objetivo.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Definidores



"Os definidores(isto é, pessoas que insistem em definir as outras) são como microrganismos patogênicos: invadem, parasitam e muitas vezes destroem sua vítima; e, em todos os casos, aqueles cuja resistência é baixa e mais sucetíveis ao ataque. Por isso, aqueles cujas defesas imunológicas são fracas são os que mais têm probabilidades de contrair doenças infeccionsas; e aqueles cujas defesas sociais são fracas - isto é, os jovens e os velhos, os doentes e os pobres, etc. - são os que mais têm probabilidades de contrair definições ofensivas de si mesmos." Szasz


Eduardo Leite

domingo, novembro 27, 2005

Transtorno coletivo

Pegar ônibus está se tornando um programa de índio, pelo menos é o que os últimos acontecimentos me levam a pensar.

Há uma semana atrás, minha namorada e eu estávamos saindo da estação de ônibus quando este precisou parar. O motivo: manifestantes barraram a saída da estação reclamando do atraso dos ônibus. Só depois de a polícia chegar e perdermos uns 10 minutos ali parados foi que o tumulto se dissipou.

Nesse mesmo dia, o motorista, coitado, foi inventar de fazer uma curva e não dar uma boa distância da esquina. Resultado: um pedaço da carroceria do ônibus arranhada e no chão.

Um dia desses, um motorista maluco provocou dois engarrafamentos em duas avenidas de grande movimento, também por fazer a curva de maneira não muito indicada.

Anteontem, sexta-feira, peguei um ônibus que estava tão lotado, mas tão lotado, que passaram a mão em minha bunda e eu nada pude fazer. Quase não consigo sair dele, de tão cheio que tava. E o motorista filho da mãe querendo se mandar. E eu e uma outra passageira lá, gritando, "peraê motô! peraê!".

Pois sim. Pra completar, ainda fico sabendo da vida dos outros nessas andanças. Dia desses, uma jovem garota conversando com um senhor que parecia ser seu avô, dizia que não queria nada sério com ninguém, e admitia, como se fosse a coisa mais normal do mundo, "ficar" com um e outro aqui e ali. E eu até pensando que aquela figurinha fosse uma "menina direita".

Claro que isso não acontece sempre. Se acontecesse, estava frito.


Rafael Rodrigues

quarta-feira, novembro 23, 2005

Visitas

Olá.

Gostaria de pedir um favor a quem frequentemente frequenta nosso blog: deixar nome e email no corpo de um comentário. Isso vai servir pra algo legal em dezembro ou no início de 2006.

Por enquanto é só mesmo curiosidade minha em saber quem anda visitando o blog e tal. As visitas caíram drásticamente nas últimas semanas.

Abraços,
Rafael

Espelho - Parte Final

De um piso para outro havia apenas um pequeno espaço vazio com uma janela. Quem subisse aquelas escadas poderia parar um pouco em cada andar para descansar, se necessário. Era realmente um edifício estranho.

No quinto andar, as paredes que nos outros andares eram brancas, estão pintadas de rosa.

“Rosa?” Rosa: nome de sua última namorada. Uma mulher maravilhosa, segundo ele. Chegou a pensar em casamento, mas ficou com medo, era um acontecimento muito grande. Sua vida mudaria completamente ao casar-se, imaginou. Por isso resolveu terminar o namoro de quase três anos. Continuou subindo as escadas, impregnado de saudade.

“Preciso revê-la”.

Estava no sétimo andar. Sete. Gostava do número sete. Não sabia o porquê, mas gostava. E no espaço vazio do sétimo andar, finalmente uma porta.

“Ora, ora. Deve ser o último andar e, lá fora, o terraço do edifício. Que diabos tem lá fora?”.

E abriu a porta.

Não entendeu muito bem aquilo. Riu; achou aquela sua odisséia uma total perda de tempo. Desistiu de saber quem mandara aquela maldita carta e feito a não menos maldita ligação.

Depois de subir aquela escada e dar de cara com um espelho, o que mais queria era voltar pra casa.


Rafael Rodrigues

Porque eu quero você

Antes de mais nada, porque eu não te tenho. Só isso já é o bastante para que minha megalomania me force a querer você. Além disso, existem outros motivos que te tornam tão interessante.

Não, você não é bonita. Desculpa, não vou mentir pra te agradar. Você definitivamente não é feia, e eu quase pensei em cantar Chico Buarque, pra dizer que de tanto amar acho que você é bonita. Mas também não te amo, então voltemos à aparência. Você é exótica. Tá, eu sei que parece adjetivo para culinária de algum país do leste europeu, mas você é exótica. Há algo no seu conjunto que arrasta meus olhos e formiga minhas mãos.

Gosto muito da sua voz. Ela sim é bonita. Sinestesias anestésicas à parte, digamos que ela tem um sabor encorpado. Seu riso é espontâneo, alto, quase grosseiro. Seu jeito de falar as coisas me lembra ao mesmo tempo uma menina de 15 anos e uma mulher de 30, com uma suave pitada do Harlem. Os críticos me perdoem, mas entre a Valsa #3 de Chopin e um gemido de prazer entre lábios trêmulos seus, prefiro deixar a música clássica para outro dia.

Enfim, você não consegue ter nem os mesmos gostos que eu. Você odeia Pink Floyd, como alguém no mundo pode odiar Pink Floyd? Francamente, quer odiar alguém odeie os Beatles, me irritaria menos. Tá, eu não acho de todo ruim o que você ouve, mas bem que podia gostar ao menos de Jethro Tull. Tá, você ouve Los Hermanos, mas e daí? Me atire uma cartela de Prozac o primeiro estudante de Letras que não gosta. Ops, acho que dei uma dica sobre você, vamos mudar de assunto.

Lamento informar também, mas não é paixonite, não. Eu não te amo, de forma alguma. Nem fogo de palha é. Eu sei muito bem o que sinto por você, está claríssimo na minha mente. Como diria Edward Norton no Clube da Luta, meus olhos estão bem abertos. Você é uma garota muito legal, mas não sinto nada por você que ultrapasse amizade. Exceto uma vontade animal de beijar você e ter você só uma vez e nunca mais.

Assim sendo, creio que posso resumir tudo em uma só frase. Eu quero você porque você não me quer. E eu te odeio por isso. Minha única tranqüilidade é saber que você não existe, e entenda disso o que quiser.


Victor Caparica tem 24 anos, é cronista, aluno da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, e às vezes não tem certeza se as pessoas realmente existem.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Espelho - Parte III de IV

Ao entrar, a surpresa: uma recepção, como a de um hotel. Nela, um senhor de cabelo grisalho:

- Bom dia. Recebi uma carta hoje e...
- Mais adiante à sua esquerda há uma escada. Pode ir
- O quê?
- Basta subir a escada.
- Não tem elevador?
- Não.

Sem ter mais o que conversar com aquele senhor, dirigiu-se à escada. Antes de subir o primeiro degrau, voltou-se e perguntou:

- Que andar?
- Suba e verá.

“Velho idiota”, resmungou, e começou a subir.

Enquanto subia, se perguntava que diabos fazia ali. Estava seguindo as instruções de um velho que nunca vira antes por causa de uma carta sem remetente. “Realmente, estou muito só. Preciso sair um pouco”.

Segundo andar. “Interessante este edifício. Pelo visto não há mais nada além desta escada que nada mais é que um corredor vertical com algumas curvas”.

Terceiro andar. “Estou fazendo papel de idiota. E falando em idiota, que fim terá levado o idiota do meu irmão? Aquele inconseqüente... É capaz de isso ser obra dele. Não, não seria possível. Onde será que ele está? Prometi a meus pais que sempre cuidaria dele. Tento falar com ele amanhã”. Pensava isso enquanto passava pelo quarto andar.
Chegando ao fim...

Me faz um favor...

- Me manda à merda.
- Por que?
- Porque eu sou um idiota!
- Por que?
- Porque a Ana me pediu um beijo hoje e eu não fiz nada.
- Por que?
- Sei lá! Eu sempre quis isso, mas me deu medo!
- Por que?
- Ela é linda demais! Eu ia estragar tudo!
- Por que?
- ...
- Que foi?
- Você é feio como um bode e tem mais espinhas que um cactus!
- Vai à merda!
- Obrigado.


Victor Caparica tem 24 anos, é cronista, aluno da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, e quando pede um favor espera que o façam.

sábado, novembro 19, 2005

Espelho - Parte II de IV

Resolveu ler. “Contos fluminenses”, Machado de Assis. Afinal, todo homem solitário deve ler. Retomou a leitura que havia parado no dia anterior e, alguns minutos depois, o telefone tocou.

Estranhou tal fato. Deixou a secretária atender. Depois do bip, a mensagem: “Deseja encontrar o que tanto procura? Encaminhe-se para o endereço...”

Era uma gravação semelhante àquelas vozes de centrais de atendimento ao consumidor.

“Que brincadeira é essa?”, pensou.

Com isso perdera a vontade de ler. E por falta do que fazer, resolveu ver que lugar seria aquele que indicavam a carta e a gravação.

O local, afastado da cidade, parecia ser uma fazenda na qual a sede fica a quilômetros de distância da entrada. Não foi difícil chegar lá. As facilidades que um bom automóvel proporciona.

Mas logo viu que não se tratava de uma fazenda, e sim de um edifício inacabado.

“Não há ninguém aí”, pensou. Mesmo assim desceu do carro. Queria entrar no prédio.
Continua...

quinta-feira, novembro 17, 2005

Ausência

Saudades é um buraco negro aberto dentro da alma, que suga tudo sem jamais ser preenchido. Houve um tempo em que eu argumentaria que nada desaparece. Se some da alma, deveria ir para algum lugar. Hoje eu sei que, realmente, não desaparece. Mas na prática é a mesma coisa. O que as saudades tragam da alma, despejam na memória. E a memória, sádica, imortaliza a falta dos pedaços da minha alma.

Nostalgia, acredito, é quando uma lembrança tenta fugir da memória para acontecer de novo, mas não consegue. É essa nostalgia que me faz olhar para um mundo passado em que um dia eu vivi. Viver, disse um sábio, é algo extremamente raro. A maioria das pessoas apenas existe. Hoje eu apenas existo. Farto de existir cercado em um mundo ao qual já não pertenço, decido viver imerso em um mundo que pertença a mim. As pessoas passam tanto tempo de suas existências evitando olhar para a própria alma, enquanto eu mergulho dentro dela e deixo o mundo para outro dia.

Mas o que existe dentro de mim? Que mundo é esse? Um deserto, sem dúvida. Houve um tempo em que minha alma era habitada pelos pensamentos. Os pensamentos construíram dentro de mim uma civilização, uma grande cidade. Lá, conviviam todos. Os loucos, os racionais, os idiotas, os inteligentes, os justos, os ímpios, os sacanas, não, casto não havia nenhum há tempos. Viviam dentro de mim e eu vivia feliz. Hoje, minha alma é um deserto, uma cidade fantasma desabitada. Tudo porque ela foi embora.

Ela, que um dia chegou em minha alma e conquistou meus pensamentos. Era tão sublime e agradável que logo foi cercada por todos, que a acompanhavam dia e noite. Todos, sem exceção, se tornaram felizes. Não havia mais um pensamento ruim em mim, por culpa dela.

Até que ela, um dia, desapareceu. Não estava em lugar nenhum, dentro ou fora da minha alma. Os pensamentos, desesperados, se rebelaram. Todos ficaram doloridos, tristes, melancólicos. Todos assumiram vozes tristes, aspectos depressivos. Até que um deles, evidentemente o mais louco, decidiu procurá-la. Seguido por todos, porque os pensamentos tendem a seguir o mais louco, partiu em busca de uma razão de ser, e nunca mais retornou.

Hoje, sento-me no frio chão de minha alma, e olho para o horizonte. De dentro de mim, brota um novo pensamento. O último, o inevitável. Ele me olha e pergunta a mais latejante questão possível.

"Porque todos fugiram?"

Porque ela foi embora, pensamento. Porque ela foi embora.


Victor Caparica tem 24 anos, é cronista, é aluno da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, e tem surtos de nostalgia diários.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Espelho - Parte I de IV

Acordou, e a primeira coisa que fez foi olhar o relógio. Cedo. Era cedo demais. Acordara apenas pelo costume de todo dia levantar-se aquela hora. “Que droga”, pensou. Não precisava acordar cedo, era feriado e o banco não abriria. Tentou voltar a dormir e não conseguiu.

Levantou-se e fez o próprio café: torradas, ovos fritos, algumas frutas. Depois de alimentado, deu uma rápida saída, para verificar a caixa de cartas. Um costume trazido de sua adolescência. Fazia isso todos os dias, mesmo domingos e feriados. Estranhou encontrar ali uma carta.

Além de ser feriado, há anos não recebia uma. É um homem solitário. Seus pais faleceram há algum tempo e ele se afastara dos irmãos. Não casou – não encontrara a pessoa certa – era o que dizia. É do tipo que não gosta de sair. Seus colegas de trabalho bem que tentaram – não tentam mais – convence-lo a ir a algumas festas, mas ele sempre recusara. Ser só, para ele, era um excelente estilo de vida.

Por isso estranhou a carta. Ainda mais por estar sem remetente. Como era mesmo para ele, e estava escrito “importante” no envelope, deixou a correspondência na mesa da sala e foi assistir tv.

Mais de sessenta canais e nada de interessante. Entediado, resolveu abrir a carta. Apenas uma folha com os dizeres “Deseja encontrar o que tanto procura? Encaminhe-se para o endereço abaixo”.

Encontrar o que procura? Novamente leu a mensagem e se certificou de que era mesmo endereçado a ele aquele envelope. Feito isso, pensou: “O que procuro? Eu não procuro nada. Brincadeira idiota”.

Jogou a carta no lixo.
Rafael Rodrigues

terça-feira, novembro 15, 2005

Ausência do Thiago

Olá pessoal.

"Siguinte": o Thiago vai passar um tempinho sem postar e tal. Não pessoal, ele não vai pular fora do 3 Vozes. É só crise de mega-astro mesmo.

Não significa também que ele tenha parado de escrever. Pelo contrário. Hoje mesmo ele me mostrou um conto novo. Ele quer apenas um tempo para recarregar as baterias.

Por conta disso, estaremos nesse mês de novembro, recebendo como convidado fixo o Victor Caparica. Ele vai dar essa força pra gente esse mês e é provável que embarque com a gente em futuros projetos.

Dêem as boas vindas ao Victor e até logo ao Thiago! :D

Futuro do subjuntivo

Seriam onze da manhã quando Ademar se levantaria da cama. Olharia para o rádio-relógio e se perguntaria se já seria hora. Vestiria-se e caminharia até o armário. Retiraria da terceira gaveta um revólver calibre 38. Examinaria a arma, carregada, e a colocaria na cintura, sob a camisa azul clara.

Deixaria o quarto. A luz da cozinha estaria acesa. Sua mãe deixaria por um instante de olhar para a TV e perguntaria onde o filho iria. Ademar responderia "À delegacia" e mostraria o revólver. A mãe voltaria a observar a TV, e o rapaz deixaria a casa.

No caminho, veria crianças brincando na rua. Um chute mal colocado faria uma bola passar rente à sua cabeça. Ademar teria, por um segundo, a vontade de sacar a arma e matar um moleque. A idéia passaria rápido. Ademar não seria um assassino, afinal de contas. Continuaria caminhando, até passar próximo à casa de Aline, sua namorada. Pensaria em parar para dar um beijo, mas lembraria o quanto Aline detestaria ver a arma e o mandaria embora. Passaria por lá mais tarde, então. Olharia para a arma naquele instante, e se sentiria poderoso. Riria, sem dúvida, da estupidez de sentir-se mais homem pela posse de uma arma. Ocultaria novamente o revólver.

Despertaria do transe assim que ouvisse, ao longe, a voz de Aline. Viraria-se, com um reflexo, para checar de onde viria. Teria a mente inundada de dúvida ao vê-la conversando com outro homem atrás de uma árvore. Teria os olhos inundados por fúria ao vê-los se abraçando. Teria a mão inundada pela arma ao vê-los se beijando.

Caminharia, tomado por ira, até que os dois o notassem. Dispararia seis vezes. Duas contra ela, quatro contra ele. Sentiria o sabor da vingança misturado ao do ódio. Aproximaria-se da garota para ver sua expressão de terror. Teria ele próprio a face tomada por terror ao constatar que a garota não se trataria de Aline. Observaria, atônito, a garota agonizante de expressões tão próximas às de Aline, e seria tomado pelo remorso. O remorso daria lugar ao desespero. Ouviria a voz de Aline ao seu lado, trêmula e assustada, chegando do orelhão que haveria do outro lado da rua. Perceberia os vizinhos que sairiam de suas casas para descobrir o que acontecia.

Desejaria, desesperadamente, ter mais uma bala para matar-se. Desejaria ser invisível, para não ser visto por ninguém. Desejaria ser cego, para não ver o rosto de Aline. Concluiria, finalmente, que sua vida estaria desgraçada. Que seu fim haveria sido aquele. Um assassino. Arrependeria-se do momento em que acordou.

Não fosse o fato de que Ademar não acordou às onze da manhã, e sim ao meio-dia. Olhou assustado para o rádio-relógio e descobriu estar atrasado para o trabalho. Pensou em apanhar o revólver na gaveta, para entregá-lo na campanha de desarmamento e faturar cem reais, mas decidiu fazê-lo à noite. Mal falou com a mãe e saiu correndo. No caminho, passou próximo à casa de Aline, sua namorada. Viu um casal de namorados beijando-se apaixonadamente há mais de uma hora e se inspirou com a cena. Decidiu atrasar-se um pouco mais e passou para dar um beijo na namorada.

Victor Caparica tem 24 anos, é cronista, e é aluno da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP.

Sônia - Parte IV


Chegando em Londres, cuidou de ir direto para o hotel designado por seu contato mais próximo e deixando suas malas com parte do equipamento, foi para o albergue para estudar o melhor momento de terminar seu serviço e embolsar a outra metade do dinheiro. Hospedou-se no albergue, que parecia ser gerenciado por seu filho, um atraente moço de cabelos e olhos negros e pele pálida. Jeremiah White, filho de seu alvo, Paul White.

Ela dormia e observava o lugar pela noite e pela manhã observava os hábitos de Paul pra fazer um serviço limpo, sem deixar vestígios. Quando observava Paul, de cima de uma velha mansão desabitada, chegar em sua casa, seu celular vibrou e atendeu a ligação de José. As informações deixaram-na estupefata, Paul era sim um arqueólogo e estudioso de antigas seitas, um dos que desvendara a farsa do ataque de Josué aos moradores da terra prometida. Ele estava em um estudo mais complicado, estava liderando uma equipe que estaria estudando os escritos do mar morto que revelariam a criação de Jesus por seus discípulos, estudiosos da filosofia grega trazida pelos romanos, que teriam inventado sua história baseados na figura de Sócrates, assim como suspeitara Niezstche, por motivos políticos, Paulo havia sido chamado para escrever algo sobre um homem que resistira ao irresistível para motivar o seu povo, sendo mais fraco e minoria, a lutar contra o povo romano tornando-o um deles. Ele também tinha informações sobre seu contratante, através da placa do carro em que estava, ele descobriu ser o homem um bispo do Vaticano interessado em encobrir a revelação do que seria o escândalo que poria fim às religiões cristãs no mundo inteiro, causando talvez um enorme desespero global e quebrando tabus, valores, preconceitos, idéias e crenças impulsionadas pela fé da religião. Sônia estava adorando o homem que teria de matar, será que o mataria por tão pouco?

Continua...

quinta-feira, novembro 10, 2005

Conversações - II de II

Sir Thiago,

Responder-te-ei (gostou, gostou?) na mesma moeda. Todos temos falhas. O mérito não está em reconhecê-las, e sim, em não demonstrá-las, escondê-las.

O mal do ser humano está aí. Ao revelarmos nossas falhas, ficamos absolutamente nus diante do mundo, diante daqueles que nos conhecem a fundo. E quem pode - e vai - algum dia nos levar ao fundo do poço, nos mostrar realmente o que é o inferno, são esses que realmente nos conhecem. Ou um pouco do que somos. Quem não tem profundo conhecimento de quem somos ou de nossa personalidade, jamais nos causará profundo mal. Apenas físico. E esse é o menor.

Quem pode realmente te derrubar, é teu melhor amigo, tua melhor amiga, que te tem nas mãos. Quem pode me derrubar, é você, é minha namorada, são meus amigos. Só estes têm capacidade de realmente me abalar e deixar marcas em minha consciência.

Por que estou divagando tanto sobre isso? Estou respondendo sua pergunta: "Eu tenho armas em minhas mãos. E pretendo usá-las. Você me julgará ou segurará quem eu quero para eu poder apunhalar?"

Não farei nem uma coisa nem outra. Disponho apenas das palavras que escrevi acima. Você deve refletir sobre isso e ver se realmente vale a pena. Porque a dor é mais profunda quando sabemos quem a causou, e que foi de propósito.

Pense bastante nisso antes de tomar qualquer decisão. Nesse momento, lavo minhas mãos, tal qual fez Pilatos - que não deveria tê-lo feito.

Talvez nem eu, mas uma vez já te julguei, você lembra muito bem. Desta vez me abstenho. Tenho este direito.

Aqui faz sol. Mas dentro de mim está nublado. Aí chove, mas e em você?

Até a próxima,
Rafael
(06/10/2005)

quarta-feira, novembro 09, 2005

Sônia - Parte III



Quando olhou para o seu anel, ele falou: “São motivos religiosos sim, deve ter percebido que sou...” “Da Maçonaria!”, exclamou antes que ele completasse a frase, “Não me importo com o motivo, ser atéia facilita as coisas, se quer uma bala na cabeça dele, você terá, aceito!” e os dois dirigiram-se para o beco ao lado, onde um “drogado” aguardava com uma mala com seu adiantamento de 25.000. Estava pronta para voar para Londres.

Antes de se dirigir para sua pousada, puxou seu o José, seu informante, pelo punho que fora torcido e enquanto ele não sabia ao certo se iria se despedir da prostituta ou se choramingava para que a Sônia soltasse seu braço, foi quando ela esbravejou: “Seu inútil! Consegui um trabalho e sem porcentagens pra você dessa vez. Preste atenção às fotos que tirei desse cara e me procure uma ficha completa, da cueca que ele usa até com quem a mãe dele dormia quando antes de sair com o pai dele” e entregou a ele sua micro-câmera que estava localizada no decote da blusa, quase coberta pelo casaco.

Às 12:45 do dia posterior, ela tomou seu vôo para Londres, “Não é que o filho da puta pagou 1ª classe mesmo. Vou aproveitar um pouco.” e assim deitou sua poltrona de primeira classe e tomou o vinho servido pelo comissário de bordo que não se continha em olhá-la de cima a baixo, cochilou e acordou quando sentiu turbulências, assim abriu a ficha de sua próxima vítima e leu cautelosamente.

Pelas fotos ele parecia ser um homem comum, quarentão, com sua barriga pós-casamento levemente avolumada, poucos cabelos cobrindo sua cabeça, óculos quadrados, pose de sério e o que mais destoava no conjunto era sua grande e descuidada barba, muito comum nos seus autores prediletos e por mais estranho que parecesse, Sônia lia artigos científicos gerais, psicologia, tecnologia, artes, nada em especial, apenas gostava de ter algo mais pra conversar e assim enganar melhor quem precisasse. E não é que o homem era mesmo um professor? Arqueólogo especializado em seitas e rituais antigos, mestre em hebraico, aramaico, grego e latim, o homem era um verdadeiro dicionário de línguas capengas, agonizantes e mortas. Qual seria o interesse nele?


Desculpando a ausência, culpa de trabalhos e provas, estou de volta a todo vapor, novamente ;)~ Continua...

Eduardo Leite

terça-feira, novembro 08, 2005

Conversações - I de II

Caro Sir Rafael,

Falhas. Você pode recordar as suas? Aonde estão os defeitos de sua muralha que se postos em xeque podem destruir toda sua civilização? O que fisga seu coração com uma pontada e te deixa preocupado, sabendo que se tudo caminhar assim acontecerá o que não pode ser desfeito?

Chove lá fora enquanto te escrevo. E penso em falhas. Se aproveitar de falhas seria infiel de minha parte? Ou uma forma de meras estratégias para alcançar meus desejos?
Seria um erro mortal se aproveitar da falhas do sistema e de cada pessoa para poder nascer entre esses espaços, provocar distancias e conseguir aquilo que se planeja?

Em minha opinião, acredito que seja tão normal quanto todas as coisas. Talvez Sun Tzu diria que é só mais uma tatica de guerrilha. Temos de conhecer nossos inimigos para termos ao menos metade das chances de derrota-los não? E se então sabermos suas falhas mais profundas para joga-los no abismo? Isso seria visto como amoral ou antiético? Talvez me dirão que não estamos em batalhas e que só nelas vale qualquer sentença.

Eu tenho armas em minhas mãos. E pretendo usa-las. Você me julgará ou segurará quem eu quero para eu poder apunhalar?

Sabes que gosto exatamente de achar falhas imperfeitas em cada ser. Mas dessa vez te juro que não é mera diversão hostil de assistir alguem caindo. Existem mais argumentos que posso expor depois.

Talvez essa seja a minha falha. Acreditar que posso derrotar quem eu quiser somente com minha intuição.

Sem mais,

Abraços,

Thiago//
(05/10/2005)

segunda-feira, novembro 07, 2005

Desligado no domingo

Me parece que as pessoas usam o dia de domingo para entrarem em contato com quem não conseguiram ou não quiseram fazer no meio da semana. É também o dia de se visitar os amigos, pois durante a semana não há tempo, por conta das obrigações do dia a dia.


Nos meus domingos não faço nada disso. Passei mais de dois anos de minha vida tendo que trabalhar aos domingos (um-sim-um-não, repetindo-os, muitas vezes). Antes disso, fazia deles um "dia de retiro". Ficava em casa o dia inteiro. Vez ou outra saía com os amigos pra tomar uma cervejinha. Estudar dia de domingo? Jamais. Nunca fiz isso. É um sacrilégio.


Hoje, desempregado que estou, tenho meus domingos de volta. E comecei a receber algumas ligações no celular. Gente querendo vir me visitar, gente querendo que eu fosse visitá-las, gente querendo me chamar pra sair e tomar a velha cervejinha. Mas não quero mais nada disso.


Quero mesmo é passar meus domingos em casa. Tranquilamente. Dormir até tarde, acordar, almoçar, dormir a tarde toda, acordar, tomar café, entrar na internet e depois dormir, porque segunda-feira é dia de acordar cedo pra ir pra faculdade.

Saio sim, aos domingos, mas evito. Se tem um show dia de domingo pra ir com minha namorada, lá estamos nós. Aniversário de namoro? Lá vou eu saindo de novo para vê-la. Um amigo que não vejo há muito tempo marca um chope? Vou com prazer. Hoje não é dia de nada disso. Hoje é dia de eu deixar meu celular desligado o tempo inteiro.

Aí vocês me perguntam: "e o seu telefone de casa?" Aí é que está: é difícil alguém ligar pra minha casa e me procurar. Há muito que não faço uso dele - por motivos pessoais e que só dizem respeito a mim - nem o divulgo. Daí a procura ser maior via celular. Quando alguém liga pra cá, sempre invento uma desculpa esfarrapada e escapo de sair ou de receber alguém aqui.

Portanto: não me liguem dia de domingo.


Meu celular e eu estamos desligados. E eu não vou lhes dar o número de minha casa.



Rafael Rodrigues
(06/11/2005)

domingo, novembro 06, 2005

O encontro (não) marcado - Parte III de III

- O céu, Eduardo. Você olhou para o céu hoje? Tem olhado para o céu? Nunca se esqueça dele. Principalmente dela, a lua. Veja como está linda hoje. Se possível, todos os dias dedique-se a observar o céu à noite. Faça isso durante cinco, dez minutos. Vai ser muito bom para você.
E Eduardo mantinha-se calado, atento.
- Sonhe, Eduardo. Continue sonhando. Alguns sonhos nós realizamos, outros não. É a vida. Mas você vai conseguir tudo o que quiser. Tenho certeza disso. E quero que você acredite nos seus sonhos. Com esforço e vontade você pode – e vai – conseguir tudo o que deseja. Vai ser difícil, mas vai valer a pena.
Eduardo olhou para o relógio. Teria de acordar cedo no outro dia. Já passava das dez.
- Bem lembrado: durma bem. Procure dormir bem, e cedo. Chegou a minha hora. Dê um abraço e um beijo nos seus pais por mim. Boa noite, garoto. Descanse e não se preocupe: seus problemas hão de se resolver. Basta dar tempo ao tempo.
- Tudo bem, senhor. Pode deixar. Muito obrigado pela conversa.
- Não tem de quê. Adeus!
- Ei, senhor, um instante. Me desculpe por não lembrar, mas qual seu nome?
- Eduardo. Adeus.


Rafael Rodrigues
(27/02/2004)

sábado, novembro 05, 2005

O Fim

Vou lhes contar a história de minha vida. Mas não se preocupem com o tempo, ela é tão rápida que aos senhores será como ouvir uma música.
Sou uma equação matemática. Tire de mim meus amores e minhas palavras que talvez sobre pouca coisa para contar.
Quando ia nascer, Deus olhou para mim, fez o check-up essencial, deu aval de minha existência e preencheu o formulário de como eu deveria ser: "Seras passional acima de tudo. Suas conquistas, seus amores, serão a base do que serás. Lutarás por coisas banais, como Quixote, pois amarás a vida acima de tudo. Todos os valores contáveis serão menores para ti." E assim fui tirado da barriga de minha mãe.
Agora, passados vinte anos, morto de todas as paixões que me arrancaram cada pedaço como quem escora em um espinho, desfalecido de qualquer idéia verbal que seja bela e coerente por mais de alguns segundos, me sinto em coma.
O que me resta do amor é amar alguém que nunca será minha e o que sobrou de minhas palavras são certas frases que possuem valor irreal mas não ganham consistência para se transformar em um texto legível.
No meu monitor cardíaco ainda existe pulso. Lento. Eu olho para esse monitor como quem admira um réptil pronto para o bote. Sem saber seu significado. Tentando compreender o que ainda faz o coração bater. Existe muito mais do que meus amores falsos e minhas palavras erradas. Mas a impaciência da vida não me faz ver.
Cansado estou. E me perco pois não acho mais nada que valha a não ser essas palavras e esses amores em vão. Que ainda não foram embora de minhas cordas.
Por agora não tenho mais nada para falar. Preciso que tudo que passou se resuma em lembrança para que renasçam novas histórias. E assim cesso minhas palavras mas não meu penar.


Thiago Augusto

quinta-feira, novembro 03, 2005

Qual a questão?


Te amo virou bom dia, futilidade moda
Projetos viraram negócio, sonhos loucura
Amor aventura, solidão status
Sabedoria desocupação, falácia conhecimento
Religião voltou ao passado, ciência é pecado
Esforço incopetência, desonestidade esperteza
Quantidade necessário, qualidade atrelada à primeira
Cultura marginal, manipulação global
Tempo investimento, decepção derrota
Erro impoerdoável, perdão démodé
Teimosia qualidade, humildade fraqueza
Onde estão valores? Ou melhor, o que são valores?
Ser ou estar?
Viver ou sobreviver? Eis a questão.

Eduardo Leite

Encontro (não) marcado - Parte II de III

E aquele senhor passou a falar sobre a vida, sobre o tempo. Disse todas aquelas coisas que dizem os pais e que poucos levam a sério. Mas por ser outra pessoa, um desconhecido, Eduardo prestou atenção.

- Nunca, Eduardo. Nunca, jamais deixe que se aproveitem de sua boa vontade. Você tem muito de seu pai, um homem honesto, digno, muito honrado. Mas tem também muito de sua mãe, uma mulher sensível, que esquece de si para ajudar os outros. E os outros, Eduardo, não vão se esquecer deles para algum dia te ajudar. Faça apenas o que lhe for possível, garoto.

Isso só pode ser brincadeira, pensava Eduardo. O homem parecia ler seus pensamentos.

- E mais: não deixe seus pais pensarem que você não os ama. Tudo o que você tem são seus pais. Dê sempre o melhor de si, Eduardo. Não desanime nunca. Você é muito mais capaz do que pensa. Esqueça essa sua idéia absurda de que você não pode errar. É isso o que te atrapalha tantas vezes. Permita seu próprio erro, ninguém é infalível. Você não precisa ser. Depois de uma pausa, ele prosseguiu:

Pelas Aquarelas

Descolorirá.... uma folha qualquer, que já fora
pintada com lápis amarelo desenhando um lindo sol.

Descolorirá.... um simples castelo,
traçado com cinco ou seis retas.

Descolorirá.... o guarda chuva de dois riscos,
que nos protege das gotas que caem sem explicação.

Descolorirá.... pingos de tinta que mergulham,
como gaivotas, a voar no imenso céu azul.

Descolorirá.... qualquer barco branco a vela,
a navegar por toda imensidão azul do mar.

Descolorirá.... as nuvens de algodão, e não existirá
nenhum avião rosa e grená há sorrir entre elas.

Descolorirá.... una folha qualquer, em qualquer porto
onde já houve um navio de partida.

Descolorirá.... os amigos, juntos e contentes,
celebrando a felicidade de bem com a vida.

Descolorirá.... a terra das américas, que ainda
é possível atravessar em apenas um segundo.

Descolorirá.... o circulo do compasso, girando,
e fazendo num simples passo: o mundo.

Descolorirá.... o ingênuo menino caminhando até chegar ao muro,
sem saber que lá está o futuro.

Descolorirá.... esse futuro astronave, que nós,
tolos, tentaremos pilotar.

Descolorirá.... nossa estrada escura que virá,
que não nos cabe conhecer ou ver.

Descolorirá.... o fim dessa mesma estrada,
onde nem sabemos aonde, e se, ela irá em algum lugar.

Descolorirá.... a estreita e linda passarela, das palavras
dessa aquarela que, um dia, descolorirá.

Thiago Augusto
(23-10-05)

quarta-feira, novembro 02, 2005

Encontro (não) marcado - Parte I de III

Sentado num banco de praça, sozinho. Era tarde da noite e ali estava ele, completamente perdido em pensamentos. Não havia mais pessoa alguma por perto, todos haviam ido dormir. Apenas Eduardo ficara na praça. Disse que precisava ficar um pouco sozinho para pensar.

Não fazia frio nem calor. Ventava, mas pouco. Era uma noite agradável. A lua, bela como sempre. Procurou estrelas em volta, mas não encontrou, apesar de o céu estar límpido, sem nuvens.

Estava ali para pensar. Precisava tomar algumas decisões. Analisar sua situação, buscar saídas para seus problemas.

Num momento como esse, a calma é absolutamente necessária. Mas Eduardo não tinha calma, e seus pensamentos surgiam em velocidade tal que era impossível seguir um raciocínio lógico com algum nexo. As situações se misturavam, seus problemas cresciam diante dele, e ele já não sabia mais o que fazer.

Quando pensou em se levantar, desistir de tentar entender algo e ir dormir, ouviu alguém o chamar:

- Eduardo!

Voltou-se na direção do som. Um senhor, aparentando ter cinqüenta anos, se aproximou.

- Como vai?

Tentou identificar aquele homem. O outro percebeu:

- Sou um velho amigo de sua família. Acabei de conversar com seus pais, eles me disseram que você estaria aqui. Vim lhe cumprimentar. Você não se lembra de mim, te vi pequenino, garoto. E hoje, um homem feito!

- Pois é, o tempo passa.

- É, Eduardo, o tempo passa. E nós perdemos muito tempo com bobagens. Temos de saber muito bem o que estamos fazendo e fazer bem feito. Não temos uma segunda chance.


Rafael Rodrigues

terça-feira, novembro 01, 2005

Saudações

Olá pessoal, tudo bem?
O blog passou alguns dias sem ser atualizado, mas foi apenas um contratempo. As atualizações voltarão a ser diárias.

Até a próxima.

Artigo Indefinido - Parte II de II

Você os vê, não? Sei que estão aqui. Toda vez que apago a luz, quando o mundo se silencia por alguns segundos. Você, além de tudo, os vê. Mas sei as formas que eles se parecem. Não gostaria de sentar por alguns segundos e me dizer quem eles são? Só para ter certeza de quem são os fantasmas que me assombram. Quem se cobre com lençol quase todas as noites e grita em meus ouvidos, arrastando correntes que parecem anunciar meu cárcere.
Suas amarras rasgam o interno, deixando a ferida exposta. Cabe a mim restar com a vida que eles me sobraram. Viver sem nenhum progresso. No pico de palavras sem sentido algum, sem respostas, nem relógios, nem passado, presente, futuro. Futuro algum. Somente espaços repetidos.
Fantasmas me perseguem. Me abalam. E por ter caído em meio a valsa de Strauss, senti muito mais sangue do que gostaria. Fantasmas me perseguem. Não sei o que fazer. Não existem paginas para se virar até encontrar o momento feliz. Não existe nem Julieta, nem Forrest Gump. Somente eu. E um abismo. A qual todos se atirarão em breve.
Todas minhas palavras não me trarão respostas. Preciso de pessoas distantes, passados não consumados. Tenho que me olhar no espelho e saber quem sou. Perceber que não existe grande mal corroendo minhas veias. Que não sou um ator a ler as falar de um papel. Que não posso me esconder por trás de vossas risadas. Que perdi qualquer parte da minha memória e não sei mais compreender o que falta. Talvez me falte ópio.
A vida se propaga lá fora. Comigo ou sem. Sou um preâmbulo de estatística. Um número na carteira de identidade. Um artigo. Indefinido. Sem cor. Cheiro. Papel. Visão. Solução. Formula. Um amontoado de proteínas que deveria saber o que fazer com a sua vida.
Onde se encontra o papel com tudo que deveria fazer nesse momento? Aonde esta a pedra fundamental que me partia em mil e me transformava em todos os seres? Me tornei a vitima de meus próprios dilemas. De autor virei minha personagem. Se alimentasse meus pulsos com uma lâmina, será que voltaria ao inicio do primeiro erro? Ao inicio da primeira vez que disparei o gatilho das minhas falácias?
Hoje meu desejo transcendeu as janelas e se perdeu pelo espaço. Amanhã me contorce o olhar o que virá.
Hoje eu toco as cordas do violão para, amanhã, elas cerrarem meu pescoço. Há muito não sei mais qual é a essência original de meu ser. Qual verso foi mesmo composto por mim.
Sou um reflexo. Um cuco que pode imitar qualquer palavra que ouvir. Mas qual delas nasceram comigo e quais foram remontadas... Abro espaço para uma das piores falas dos homens: Não sei.
As luzes continuam acesas. A abóbora já exala um odor ruim. Um gato negro corre por qualquer lugar. Alguém comete suicídio nesse momento manchando as cortinas da casa. O Homem Aranha salva mais uma dama inocente. Meus sonhos se despedaçam a cada instante. E eu me desfaço. Indefinidamente.


Thiago Augusto
(26-09-05)