quinta-feira, abril 28, 2005

Dois laços azuis


Escorreram lágrimas vermelhas dos seus olhos. Não conseguia conter aquela escabrosidade e sentia-se nervosa com aquilo. Estava no banheiro do colégio e terminariam vendo. Não, nunca tinha lhe acontecido nada parecido. Não soube no que pensar na hora.

Olhou-se no espelho, respiração acelerada, arfava. Pegou com mãos trêmulas um lenço que sua mãe pusera à força em sua pequena bolsa de criança e enxugou o rosto. Nos óculos, o sangue grudado, gelado, parecendo esmalte. Tirou-os com pressa, jogou-os na pia, ensaboou as lentes com os restos roxos do sabonete com cheiro de lavanda. Detestava aquele cheiro comum, cheiro de banheiro, cheiro sujo.

Saiu andando rápido, de maneira desajeitada, ajeitando os finos cabelos presos aos dois laços azuis, de cetim quadriculado. Prendia-os tão fortemente naqueles nós que sentia alívio ao soltá-los todo dia ao chegar em casa. Parecia um menino, andando com sua pernas finas, afastadas uma da outra, quadris sem nenhum balanço. Entrou na sala ainda suada. A merendeira caiu no chão e ela pôde sentir o movimento de pescoço de todos à sua volta. Apenas um pedido de desculpas, quase calado, serviu para que a aula continuasse.

Tabuadas, conjugações verbais, descobrimento do Brasil. Dor de cabeça. As maria-chiquinhas puxando todo seu couro cabeludo para trás. O corpo lutando contra a feminilidade, contra os sentimentos. Voltou para casa a pé, andando rápido em seu passo de pato.

Trancou-se logo no quarto. Enfiou-se toda debaixo do edredon.

Quando acordou, viu as paredes pintadas de sangue. As frases repetidas diziam: ande como uma mocinha.

* Conto da jornalista e escritora carioca
Crib Tanaka. Para ler mais textos da Crib, basta acessarem seu blog, Desfio.

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