sexta-feira, maio 27, 2005

Arrependimentos - Parte I


“Que horas?” – resmungou ele baixinho para si mesmo e olhando para o rádio relógio franziu toda a testa num gesto de desolação.

A muito custo conseguiu levantar-se da cama, apesar de não estar mais com sono, ele sabia que dormira apenas 4 horas, quatro agoniadas horas e não se lembrava mais da última vez que dormira sossegadamente até às 6 e pouco da manha quando os primeiros raios de sol que escapavam pela sua janela de vidro sem persianas o acordava devagarzinho, primeiro o fazendo colocar o travesseiro sobre o rosto para não incomodar a vista, depois aquecendo todo seu corpo dando-lhe uma vitalidade e disposição que jamais sentira ou teria esperanças de sentir novamente.

Tomou um rápido banho, pois fazia muito calor naquela época, apesar das nuvens carregadas no céu o efeito era similar a uma estufa. Colocou seu moletom cinza, a camisa pólo branca e sua boina cinza grafite que guardava para dias como esse. Conferiu o relógio e viu que eram 4 e 20 da manhã, apenas 10 minutos haviam se passado desde que acordara. Colocou pedaços de pão da noite anterior para torrar enquanto preparava um café quente ao som dos velhos e saudosos Beatles.

Sentou-se só à mesa, como de costume, mas esse dia era diferente, ele sentia um vazio imenso corroer sua alma por dentro, dando mordidas pequenas como que querendo moê-lo e matá-lo aos poucos. Costumava dizer que gostava de comer só, sentia-se mais à vontade, mas não mais, desde que conhecera seu grande amor e o deixara escapar por entre os dedos sentia sua falta em cada hora do dia, mas tentava não pensar muito nisso e assim sobrevivia sem grandes transtornos, mas o dia do aniversário dela... ah! Esse dia era cruel. Fernando lembrou-se do seu sorriso meigo, constante e provocador que o abordou naquele mesmo dia 8 daquele mês, uma lágrima escorreu pelo seu rosto e ele logo enxugou seu rosto com a boina e resolveu não tomar mais o café, apenas caminhar pelo parque para não pensar mais naquilo.

Fernando não gostava muito de animais, mas ela o ensinara a gostar de cachorros, a admirar sua lealdade cega, seu carinho incondicional. Ele continuava não gostando muito, mas ter um por perto, o que ela o deu, era uma forma inconsciente de manter sua memória viva pela casa, na sua vida. Chamou o Cronos com um assobio e colocou sua guia devagar e cuidadosamente enquanto via em seus pensamentos ele ainda filhote sendo entregue pela sua musa perdida, lembrava do lacinho em seu pescoço, vermelho, contrastando com sua cor creme, comum a labradores, e seus olhinhos de filhote que causavam nele um sentimento perturbador de vontade de cuidar. Outra lágrima escorreu e o Cronos o acordou do transe com um latido forte e um abanar de cauda para seu dono. Este abriu a porta e saiu em meio à neblina daquele começo de dia.

Morava perto do parque e não levou mais que 10 minutos para chegar nele, apesar de ser madrugada, o parque estava bem iluminado e já havia pessoas caminhando, correndo, buscando inspiração e outras apenas gastando um tempinho com seus amores. Esse último o incomodava bastante, lhe dava sensações de deja vu. Sentou-se no banco de costume enquanto tirou Cronos da guia, para que pudesse dar uma volta no perímetro de sempre, já que fora treinado e toda vez que alguém se aproximava, voltava para perto de seu dono, isso quando saia de perto, não tinha a mesma disposição de antes, estava velho para um cachorro.
Continua...

1 Comentários:

Às 1:58 AM , Anonymous Anônimo disse...

Posso fazer inveja na galera e dizer que já li o conto todo? hehehehehe
É isso aí Dudu, voltando à ativa! E com um ótimo texto :D Depois conversamos melhor a respeito! Abraço,
Rafael

 

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