quarta-feira, setembro 07, 2005

Carta a meu pai

Achei por bem escrever um e-mail ao invés de falar sobre isso pessoalmente porque acho que vou conseguir me expressar melhor e espero me fazer entendido melhor também.

O senhor me pediu pra tirar o piercing e me deu alguns argumentos que me pareceram de certa forma rasos e vou explicar o porquê desse meu pensamento.

Como explicado pra minha mãe e agora para o senhor, eu não pretendo usar por toda minha vida, pelo menos não a princípio, apenas é uma fase antes de clinicar que pretendo aproveitar bastante, tanto me divertindo quanto utilizando todo meu potencial pra, acima de tudo, viver, coisa que não me foi permitida por muito tempo enquanto dentro da instituição alienadora, vulgarmente chamada de Igreja. A alienação, segundo Marx, é nada mais nada menos do que o encobrimento das reais possibilidades e reais motivos por trás do que nos cerca e de determinadas ações que são jogadas sobre nós e impostas. Foi isso que a Igreja Católica fez durante a Idade Média e que perdura até hoje incrustada em nossas mentes nos impedindo de sermos realmente livres e de conviver com as outras pessoas com o mínimo de tolerância e respeito.

Uma coisa que os pais precisam entender a fim de viver mais harmoniosamente com os filhos é que nós somos criados a partir de uma combinação MUITO complexa da metade dos genes de cada um e que nossa personalidade é determinada por parte dessa genética e parte pela influência do meio, isso é muito muito discutido nos meios acadêmicos se somos determinados por genes somente, pelo meio somente ou pelos dois em conjunto, eu particularmente prefiro acreditar que são os dois. Portanto eu não posso ser 100% o que você e minha mãe esperam de mim, eu sou produto da época em que vivo, dos livros que leio, das pessoas com quem me relaciono e pessoas não são como quadros que podem ser pintados de acordo com a vontade do pintor, pessoas vivem sobre a constante do relacionamento que nem é tão constante assim e envolve compreenção da subjetividade e individualidade de cada um, respeito nas diferenças de cada um. Os motivos que me levaram a colocar um piercing é alheio ao motivo que leva o senhor a deixar uma barba crescer, eu não sou uma vitrine assim como o senhor também não é e somos cada um responsáveis por nossas atitudes e escolhas. Eu tenho meus sonhos e aspirações, assim como meus valores e desejos. Sou ateu, cético, entre outros adjetivos bons e ruins que construí diante da minha vida e tenho convicção de todos eles. Me incomoda que regulem o uso ou não de um piercing da mesma forma como incomodava quando regulavam meu peso, são coisas de controle ou não meus que são influenciadas por nossa sociedade "provincial" de pensamento atrasado que faz com que nos preocupemos mais com a vida do próximo do que com a nossa, com uma tal alienação que nos faz ter desinteresse pela CPI do mensalão, pela enorme carga tributária paga em nosso país, pela obrigatoriedade de pagamento da Previdência e faz nos interessar pelo filho homossexual de fulana, da filha de cicrano que engravidou ou da briga do casal da casa vizinha. Isso é um retrocesso no tempo que carregamos como fardo e perpetuamos inconscientemente.

Tenho desejo de ser independente por ter de escrever um e-mail desses ao senhor e explicar tudo em alto e bom som a minha mãe todos os dias mesmo sabendo que esse discurso gera revolta, ira sem contar com o esquecimento que será certo em algumas semanas, ou dias. E trabalharei com afinco a fim de atingir a meta de viver minha vida de maneira mais leve em relação a contra-tempos de problemas de ideologias e valores.

Eu mandei um texto falando de paradigmas e como eles se formam, espero que o senhor leia e reflita sobre ele, acho que o senhor tem um paradigma quanto a esse assunto. Sobre meu problema de dicção, ele só ocorre porque gaguejo um pouco quando me interrompem muito durante uma conversa ou quando não consigo expressar uma opinião contrária a da pessoa por algum motivo, o que acontece com freqüência conosco, pois a cicatrização da minha língua foi completa e voltei a falar como falava antes, tanto é que alguns amigos nem percebem que coloquei piercing quando converso com estes ao telefone, fato que não ocorria quando a mesma encontrava-se ainda inchada.

Espero que entenda o e-mail e possamos conversar depois sobre ele, se bem que espero ter deixado claro meu pensamento sobre isso. Um grande beijo do seu filho,


Uma voz

3 Comentários:

Às 11:16 PM , Anonymous Anônimo disse...

O legal que de uma carta nasceu muita coisa pra se pensar, e está toda coberta de ciencia.
Me lembrou o Augustos dos Anjos por isso.

 
Às 11:17 PM , Anonymous Anônimo disse...

Relação entre pais e filhos é muito complicada. Sempre foi. Até as melhores relações têm problemas. O negócio é ter certeza do que se está fazendo, de que é certo, e lutar por isso. O tempo vai dizer quem estava certo ou não. Independente disso, o que vale é seguir as próprias idéias e sonhos, sempre pelo melhor caminho possível.

 
Às 2:45 PM , Anonymous Anônimo disse...

Sou, além de pai solteiro, um filho nunca casado...minha filha
fez 15 anos...e eu sempre sonhei em ter uma relação perfeita no sentido da comunicação com ela...
mas desde os os seus 11 anos percebi que ela já não era o "quadro" que, inconscientemente, eu gostaria de pintar...reparando tudo que foi "desagradável" na minha existência até então...em resumo, gostei mto do texto sobre o piercing...eu o achei mto sensato, coerente, lógico, plausível...educativo...mas manter bons relacionamentos realmente é um desafio eterno.

 

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