segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Arrependimentos - Parte III

* Postado originalmente em 04/06/2005


“Acho que o senhor bateu na porta errada, moço.” “Boa tarde, senhora! Me chamo Fernando e vim falar com a Carla.” – os olhos daquela velha senhora encheram-se de lágrimas e convidou-o para entrar. Fernando entrou meio sem jeito e aconchegou-se num simples sofá, porém bastante confortável. “Vou lhe trazer um café, fique à vontade, moço.” – disse a simpática velhinha que foi para a cozinha o deixando com as palavras engasgadas. Um cheiro forte e gostoso de café saia da cozinha, “Parece o café da Carla!” lembrou o Fernando, e 2 minutos mais tarde a senhora apareceu com um prato de salgadinhos numa simples bandeja de plástico e o café com o açúcar do lado. “Então moço, de onde o senhor conhece a Carla?” – perguntou a senhora com a fronte baixada, ainda, “Pode me chamar de André senhora.” – falou temendo que ela não contasse onde ela estaria se dissesse o verdadeiro nome, “Vim da cidade, viajei muitos dias de carro pra falar com ela, temos um assunto pra conversar e eu não sabia onde ela estava.” – olhando agora seriamente em seus olhos a velhinha estava com os olhos marejados e balbuciou alguma coisa. “Me desculpe! Não entendi senhora.” “Ela está interna no hospital da cidade meu filho, ela não andava muito bem, estava muito mal, não agüentou...” e pôs-se a chorar inconsoladamente. Fernando ficou sem entender a princípio, sentiu-se meio tonto, como se um vazio fosse aos poucos se formando dentro de si, mas tomou fôlego e perguntou gaguejando: “Co-como assim? O que houve? Onde ela está?” “No hospital psiquiátrico meu filho (choro). Ela estava empregada aqui, tava me ajudando muito quando alguém da cidade ligou e disse que ela era mulher da vida e ela foi demitida (mais choro), xingada, jogaram pedra aqui em casa, uma coisa, meu filho!” – Fernando não conseguia entender, será que tinham batido nela, tentaram matá-la? Sentiu seu chão sumindo, um frio percorreu-lhe a espinha e com os olhos cheios de lágrima continuou ouvindo a conversa. “Ela ficou deprimda seu André, chorava todos os dias dizendo que não acreditava que a pessoa que mais havia amado queria acabar com a vida dela desse jeito. Ela ficou muito mal, parou de comer, de tomar banho, todos os dias chorava até que um dia não fazia mais nada. Não falava, tinha o olhar vago e ficou muito desnutrida. Tive que levar ela pro hospital e eles acharam melhor colocar ela no hospital pra ela se recuperar, mas parece que a cada dia que passa ela piora, só fala no nome desse Fernando, ele estragou a vida dela seu André, estragou!” – e continuou a chorar inconsoladamente. Fernando levantou-se se sentindo completamente perdido e agradeceu pelo café. Falou que tentaria visitá-la e encaminhou-se para o carro.

Entrando no carro ele chorou compulsivamente, pensou quem teria feito tal atrocidade, tal crime contra a pessoa que mais amava em sua vida. Pensou em sua família, alguém tinha feito aquilo com certeza. Não tinha tempo de pensar naquilo, queria poder tentar salvar o seu amor e rasgando o pneu do carro correu para o hospital.

“Ela está catatônica. Estado geralmente evidenciado em pessoas que sofreram uma perda muito grande, um grande trauma. Não tenha muitas esperanças, ela dificilmente vai reagir. Toma os remédios via soro já que não se alimenta.” – explicou a enfermeira levando-o para o quarto. Entrando lá, Fernando a viu sentada na cadeira em frente à janela, juraria que estava olhando a paisagem, se não fosse por seu olhar vago. “Vou deixar você à vontade com ela, não acredito que irá precisar de mim aqui.” – disse a enfermeira enquanto fechava a porta atrás dele.

Aproximou-se com certa relutância e sentou-se em frente a ela. Mostrou as flores e ante sua inércia começou a chorar novamente. “Meu amor, sou eu! Não lembra do Fernando? Vim lhe ver, tava com muita saudade e tou arrependido de tudo que eu disse, de tudo que eu não fiz. Por favor me perdoa, Carla! Me perdoa!” – repetia desesperadamente enquanto ela continuava com seu olhar vago, perdido. Tentou balançá-la, abraçá-la, mas não mostrou nenhuma reação. Resolveu ir pra um hotel e voltar no outro dia, agora que estava perto do seu amor, iria ficar com ela indefinidamente.

Foi na enfermeira, pegou o número do hospital e disse que ligaria mais tarde para dizer o nome do hotel onde ficaria. Pediu que lhe relatasse o que acontecesse e despediu-se dela indo em direção a um hotelzinho barato de beira de estrada, “Você merecia ficar na praça com os cachorros” pensou consigo mesmo e desabou na cama.

No outro dia acordou com muita dificuldade, pois não havia dormido bem á noite, tivera muitos pesadelos com a Carla morrendo ligou para o hospital com muita pressa, pois estava tão cansado que não ligara na noite anterior, queria saber como a Carla estava. Chamou a enfermeira, falou com ela por cerca de 1 minuto e meio. Soltou o telefone no chão, seu chão sumira novamente, as lágrimas desciam incontrolavelmente e berrou como um louco. Quebrou o quarto inteiro, não conseguia acreditar no que havia ouvido. A Carla morrera, não havia sido um pesadelo, ele a veria num caixão sim. Poucos minutos após sua saída, ela saiu do quarto, como não estava trancado ainda, ela saiu e foi na enfermaria, pegara um bisturi e cortara os pulsos.

Cronos pulava em cima dele como que percebera as nuvens que circundavam sua cabeça e assim Fernando assustado voltou à realidade. Mais de 20 anos que ele se dirigia àquele lugar e pensava as mesmas coisas, queria-a de volta, ela estava morta e jamais a veria de novo. Arrependia-se de não ter tido a coragem de ir ao encontro dela, onde quer que ela estivesse, mas sabia que merecia esse castigo, viver para sentir todos os dias a dor de ter deixado o verdadeiro amor de sua vida partir.

Eduardo Leite

3 Comentários:

Às 1:03 AM , Anonymous Anônimo disse...

Palmas para o Eduardo... pois ele merece... ele conseguiu me fazer chorar em frente ao PC... decididamente: um dos melhores "macro-contos" q eu já lí... claro as três vozes têm talento, etc, etc... mas vc Eduardo, vc conseguiu o "ininconseguível"!! Chorei msm... mas acho que chorei porque queria um final diferente, sabe como é, a gente se apega ás personagens e sempre torce para que tudo dê certo (como nas novelas)...
Mais uma vez: PARABÉNS!
Bjoos,
KEL

 
Às 1:14 AM , Anonymous Anônimo disse...

Estava anciosa para ler a III parte, que final...não imaginei que acabaria assim,fiquei triste. Mas parabéns!seu conto está perfeito.

 
Às 10:40 AM , Anonymous Anônimo disse...

Parabéns, ficou perfeito..o final não poderia ser melhor. valeu a espera.
bjo
Eliane

 

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