quinta-feira, janeiro 26, 2006

Lembranças

* Postado originalmente em 29/05/2005


Desde quando nos casamos – há quinze anos – que eu não tive coragem de abrir aquela caixa na qual se refugiavam minhas lembranças. Tudo o que eu pude guardar entre meus dezoito e vinte e dois anos estava ali: intacto, intocável. Apenas eu sabia o que estava guardado ali dentro. E havia esquecido. Em vinte e dois anos muda-se muita coisa, esquece-se muita coisa. E procura-se não lembrar de certas coisas...

Vera saíra com as crianças. Não fui; aleguei cansaço. Adoro minha sogra, mas realmente estava exausto. Foi uma semana tumultuada no jornal. Todo o escândalo envolvendo o presidente, e, além disso, a ameaça de guerra com o Paraguai. Eu precisava de um descanso.

Acordei quase ao meio-dia. Vera deixou o almoço pronto para mim. Comi, liguei a tv e comecei a ler um livro. Adormeci.

Em nossa casa havia um quarto que ficava um tanto quanto escondido. Ficava nos fundos e somente eu tinha a chave. Era lá que eu guardava meus velhos livros, minhas ferramentas, minha velha bateria – guardava apenas por capricho, não ousava mais toca-la – e a velha caixa com minhas velharias. Lembranças. Resolvi ir até lá e ver o que havia dentro dela. Na verdade eu já sabia o que iria encontrar. Apenas fingia que não.

Há muito tempo não mexia nele. Não era uma caixa, era um baú. Um grande baú, muito bonito por sinal. Lembrei de quando o vi pela primeira vez naquela enorme loja de decoração. Estivera ali para comprar o presente de casamento de um amigo. Meses mais tarde voltaria para comprar aquela linda peça.

Ele estava ali, na minha frente. Abri-lo ou não, eis a questão. Havia um cadeado. Lembrei que a chave estava escondida em alguma de minhas gavetas. Minutos depois, com ela em mãos, abri o velho baú.

Fui tirando o que havia dentro dele aos poucos. A primeira coisa que saiu foi minha coleção de facas que estava guardada dentro de uma caixa. Ainda estavam em bom estado, mas precisavam de uma boa limpeza. Logo ao lado um outro pacote: meus velhos cadernos. Folheei alguns. Do pouco que consegui ler, muitas bobagens. É engraçado reler antigos escritos. “Eu escrevi isso?”, “Nossa, que porcaria...”, “Epa, isso é bom...”. Encontrei também revistas que guardei por conterem matérias importantes sobre personalidades falecidas na época.

Alguns velhos livros, minha coleção de cartões telefônicos... Enfim, bobagens. Curiosamente tudo bem conservado.

Quando pensei que não havia mais nada ali, havia a última caixa lacrada. Não pude deixar de abri-la. Era para isso que fora ali. Utilizei uma das facas que milagrosamente estava bem afiada e abri o pacote.

Dentro dele, cartas, lembranças e fotos daquela que foi o grande amor de minha vida. Ao ler aquelas palavras, ver aquela letra e aquelas fotos, lembrei de tudo o que havia passado com aquela jovem que tanto amei e que hoje talvez não mais lembrasse de mim.

Tomado por uma sensação de extrema angústia, deitei num chão que minutos depois estaria vermelho e úmido.

Acordei quando Vera chegou com as crianças. A tv ligada e o livro no chão. No dia seguinte mandaria queimar aquele baú.

Não se deve guardar certas lembranças.


Rafael Rodrigues

3 Comentários:

Às 11:15 PM , Anonymous Anônimo disse...

mto bom kra, dei uma viajada boa, ou ruim... n sei
abraço

Dudu

 
Às 12:26 AM , Anonymous Anônimo disse...

Abrir velhos compartimentos sempre é interessante, agora...coleção de facas, cara! Eu às vezes me acho tão normal. Há braços!!
Mauro Castro
www.taxitramas.blogger.com.br

 
Às 3:22 PM , Blogger Elana Bellini disse...

Òtimo!
Pra que certos baús não nos traguem, é bom queimá-los, mesmo.

 

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial