segunda-feira, abril 04, 2005

Sobre homens e livros

Sou apenas um homem que sempre tem um livro em mãos. É uma ótima saída para salas de espera, filas de banco, viagens, ou alunos chatos e burros.
Sim, alunos chatos e burros. Alguns alunos de faculdade têm o dom de serem insuportavelmente insuportáveis - com o perdão da ridícula expressão. E burros. Para esses, passo uma atividade qualquer - em grupo ou individual. Enquanto os imbecis quebram as cabeças, eu leio.
Não posso dizer que gosto de ler. Leio apenas por não ter outra coisa para fazer. Não posso me exercitar numa sala de espera, ou de aula. Nem andar por aí com discman para ouvir música, outro hábito meu. Além do perigo de ser assaltado e perder o aparelho - e o cd - já sou quase um senhor, e senhores não andam por aí com um discman.
(A não ser aqueles gordos, cheios de problemas cardíacos ou de colesterol, que caminham nos calçadões das praias e nas avenidas das cidades.)
Hoje sou apenas um homem que sempre um livro tem em mãos. Um hábito adquirido quando jovem. E meus colegas sempre comentavam: "você só anda lendo, ein?". E pediam que lhes indicasse algo. Eu achava aquilo engraçado. Havia um certo tom de admiração quando falavam comigo. "Você já leu esse livro?". Quase sempre a resposta era "sim". E então perguntavam minha opinião. Com um ar superior eu falava sobre o autor, sobre o livro, enfim, dava a impressão de ser profundo conhecedor do assunto.
Isso foi há mais de quinze anos. Um homem que em mãos tem sempre um livro pode ser classificado como intelectual, literato ou romântico. Na verdade, ele é apenas um homem medíocre. Como eu sou.
Um homem que um livro sempre tem em mãos é um homem duro, cético. Um homem desse tipo sabe o que é amar uma mulher, mas afirma que o amor não existe. É um homem solitário e que não gosta das pessoas. Um homem dessa espécie perdeu há muito a capacidade de chorar, de se emocionar. Não lembro da última vez que chorei. Acho que na época da faculdade, época em que também amei.
(Pela última vez.)
Esses homens não conseguem fazer mal a quem quer que seja - teoricamente. Não descontam sua raiva nos outros, mas em si mesmos. Essa raiva - controlada, não liberada - esse ódio, quando ele finalmente é libertado, pode ter consequências drásticas.
(Coisa que raramente ocorre, pois esse tipo de homem é tão indiferente a tudo que nem ódio consegue sentir.)
Um homem assim é capaz de matar outro homem - ou uma criança - sem nem sentir. Não por algum motivo especial, mas assim, por nada. Faria isso como qualquer um vai ao banheiro após tomar três ou quatro cervejas. Ou como alguém mata uma barata.
(Eu sou capaz de matar...)
Mas é um homem como os outros, o homem que sempre em mãos tem um livro.

Rafael Rodrigues

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