terça-feira, outubro 18, 2005

Intransitivo

Contou 30 horas pelo relógio. Não completava nem dois dias.
As mãos tremiam, os lábios não negavam e demonstravam abstenção. Pés mais impacientes do que antes. O calendário nem virava dois dias e já se sentia assim.
Incomodava a falta que fazia. Mais de um ano em vício. Quando concluiu que deveria se limpar, fez de uma hora para outra. Não deixando nada para trás. Foi se desintoxicar. Mas só fazia 30 horas.
Em sua memória apareciam histórias que não aconteceram. Um futuro imaginário. Embebido de seu vício entorpecente.
Se pudesse só mais uma vez. Porém prometeu a si mesmo um "fim". O tempo andava devagar quando não havia mais o que consumir e lhe tirar os sentidos.
Contou o tempo para passa-lo. Escutou canções, mas descobriu que qualquer frase levava a ela. Fina estampa sem cor nem forma. Tentou se distrair e olhar a lua, mas sabia que ela talvez olhasse também. Suspirou algumas palavras, "Estou há 30 horas sem Sofia. Meu vício mais doce. Que corre em minhas veias como se fossem as dela. Sem saber que estou morrendo a cada momento".
Com o tempo se acostumou com a idéia. Chorou quando percebeu sua única alternativa viável. Em vez de fugir, abandonar o campo. Entregar todas as armas para não ver o céu rachando sobre seus pés.
Já tinha anteriormente se sentido o homem mais miserável de todo o mundo, essa sensação não seria inédita. Recordar o antigo sentimento de dor e culpa não lhe agradava. Mas talvez seria necessário.
Saber quem era Sofia era quase um enigma. Ele achava difícil afirmar que conhecemos as pessoas que mudam tão rápido. Saber quem era já não estava em seus planos.
Ela simplesmente entrou sem bater em porta alguma. Quando viu, já estava na sala de estar. Se mostrou como nunca tinha visto antes. Sem saber se tornou sua rainha.
O relógio marcava mais uma hora. Seriam trinta e uma desde a ausência. Ele olhava uma de suas fotos, tocava seus cabelos como se fossem reais e pudesse sentir sua textura exata. O sorriso daquela foto não lhe trouxe calor. Prosseguiu. Quis chorar novamente mas sentiu que seria inútil. Talvez não houvesse nenhum culpado nesse crime. Embora ele acreditasse em sua culpa.
Em quais mãos estariam as verdades desse crime? E em quais mãos pesarão o castigo? Quem é a vítima e quem é o réu quando brota-se o amor quase sem intenção? O que cessa e o que prossegue seu ciclo quando ele morre? O que poderia lhe fazer parar se ela consumia seus pensamentos e suas devoções. E ele a amava acima de tudo.
Um dia ao despertar, continuou em sua cama. Notou que as roupas no lugar não faziam mais sentido. E concluiu que a amava desde então. Que seu sorriso de bom dia, todas as manhãs, era como seu despertar divino. Suas frases soltas lhe davam a vida que lhe faltava. A inocência do olhar que não cansava de observar. O perfume doce que ele recordava a qualquer momento. Sua maneira de elucidar as palavras. Buscando uma perfeição que Sofia ainda acreditava ser existente.
Assim a amava. Ela sem nunca suspeitar. Teve dias que quase expressou seu amor. Se ela pudesse ouvi-lo por um só instante. Será que poderia hesitar? Ou o expulsaria dali em definitivo?
Quando choveu por um dia inteiro, percebeu que nunca teria o seu amor. E olhar para ela todos os dias se tornaria sua tortura. Juntou seu fôlego e achou a única alternativa: Ir embora para sempre, por amar demais.
Fazia 32 horas que estava sem Sofia. Ainda não sabia, mas naquele mesmo dia tomariam chá novamente. Ele com amor nos olhos, ela com sorriso nos lábios sem nada saber.
Ainda a abandonaria, e talvez não só ele chorasse. Mas naquela hora, tudo que queria era estar ao lado dela. Mesmo que apenas só restasse um sorriso para servir de abrigo para todas suas noites. Naquele dia seria o bastante. Ele só temia em saber até quando... Até quando?

Thiago Augusto
(02-10-05)

1 Comentários:

Às 8:58 PM , Anonymous Anônimo disse...

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