quinta-feira, novembro 17, 2005

Ausência

Saudades é um buraco negro aberto dentro da alma, que suga tudo sem jamais ser preenchido. Houve um tempo em que eu argumentaria que nada desaparece. Se some da alma, deveria ir para algum lugar. Hoje eu sei que, realmente, não desaparece. Mas na prática é a mesma coisa. O que as saudades tragam da alma, despejam na memória. E a memória, sádica, imortaliza a falta dos pedaços da minha alma.

Nostalgia, acredito, é quando uma lembrança tenta fugir da memória para acontecer de novo, mas não consegue. É essa nostalgia que me faz olhar para um mundo passado em que um dia eu vivi. Viver, disse um sábio, é algo extremamente raro. A maioria das pessoas apenas existe. Hoje eu apenas existo. Farto de existir cercado em um mundo ao qual já não pertenço, decido viver imerso em um mundo que pertença a mim. As pessoas passam tanto tempo de suas existências evitando olhar para a própria alma, enquanto eu mergulho dentro dela e deixo o mundo para outro dia.

Mas o que existe dentro de mim? Que mundo é esse? Um deserto, sem dúvida. Houve um tempo em que minha alma era habitada pelos pensamentos. Os pensamentos construíram dentro de mim uma civilização, uma grande cidade. Lá, conviviam todos. Os loucos, os racionais, os idiotas, os inteligentes, os justos, os ímpios, os sacanas, não, casto não havia nenhum há tempos. Viviam dentro de mim e eu vivia feliz. Hoje, minha alma é um deserto, uma cidade fantasma desabitada. Tudo porque ela foi embora.

Ela, que um dia chegou em minha alma e conquistou meus pensamentos. Era tão sublime e agradável que logo foi cercada por todos, que a acompanhavam dia e noite. Todos, sem exceção, se tornaram felizes. Não havia mais um pensamento ruim em mim, por culpa dela.

Até que ela, um dia, desapareceu. Não estava em lugar nenhum, dentro ou fora da minha alma. Os pensamentos, desesperados, se rebelaram. Todos ficaram doloridos, tristes, melancólicos. Todos assumiram vozes tristes, aspectos depressivos. Até que um deles, evidentemente o mais louco, decidiu procurá-la. Seguido por todos, porque os pensamentos tendem a seguir o mais louco, partiu em busca de uma razão de ser, e nunca mais retornou.

Hoje, sento-me no frio chão de minha alma, e olho para o horizonte. De dentro de mim, brota um novo pensamento. O último, o inevitável. Ele me olha e pergunta a mais latejante questão possível.

"Porque todos fugiram?"

Porque ela foi embora, pensamento. Porque ela foi embora.


Victor Caparica tem 24 anos, é cronista, é aluno da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, e tem surtos de nostalgia diários.

2 Comentários:

Às 5:13 PM , Anonymous Anônimo disse...

M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O!!!!!!!!

Posso copiá-lo????

http://portodososlados.blogspot.com
http://ijdlf.zip.net

 
Às 1:23 PM , Anonymous Anônimo disse...

De excelente bom gosto esse blog, esse texto valeu o ingresso dessa minha primeira visita!!
até a próxima!

 

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial