terça-feira, novembro 15, 2005

Futuro do subjuntivo

Seriam onze da manhã quando Ademar se levantaria da cama. Olharia para o rádio-relógio e se perguntaria se já seria hora. Vestiria-se e caminharia até o armário. Retiraria da terceira gaveta um revólver calibre 38. Examinaria a arma, carregada, e a colocaria na cintura, sob a camisa azul clara.

Deixaria o quarto. A luz da cozinha estaria acesa. Sua mãe deixaria por um instante de olhar para a TV e perguntaria onde o filho iria. Ademar responderia "À delegacia" e mostraria o revólver. A mãe voltaria a observar a TV, e o rapaz deixaria a casa.

No caminho, veria crianças brincando na rua. Um chute mal colocado faria uma bola passar rente à sua cabeça. Ademar teria, por um segundo, a vontade de sacar a arma e matar um moleque. A idéia passaria rápido. Ademar não seria um assassino, afinal de contas. Continuaria caminhando, até passar próximo à casa de Aline, sua namorada. Pensaria em parar para dar um beijo, mas lembraria o quanto Aline detestaria ver a arma e o mandaria embora. Passaria por lá mais tarde, então. Olharia para a arma naquele instante, e se sentiria poderoso. Riria, sem dúvida, da estupidez de sentir-se mais homem pela posse de uma arma. Ocultaria novamente o revólver.

Despertaria do transe assim que ouvisse, ao longe, a voz de Aline. Viraria-se, com um reflexo, para checar de onde viria. Teria a mente inundada de dúvida ao vê-la conversando com outro homem atrás de uma árvore. Teria os olhos inundados por fúria ao vê-los se abraçando. Teria a mão inundada pela arma ao vê-los se beijando.

Caminharia, tomado por ira, até que os dois o notassem. Dispararia seis vezes. Duas contra ela, quatro contra ele. Sentiria o sabor da vingança misturado ao do ódio. Aproximaria-se da garota para ver sua expressão de terror. Teria ele próprio a face tomada por terror ao constatar que a garota não se trataria de Aline. Observaria, atônito, a garota agonizante de expressões tão próximas às de Aline, e seria tomado pelo remorso. O remorso daria lugar ao desespero. Ouviria a voz de Aline ao seu lado, trêmula e assustada, chegando do orelhão que haveria do outro lado da rua. Perceberia os vizinhos que sairiam de suas casas para descobrir o que acontecia.

Desejaria, desesperadamente, ter mais uma bala para matar-se. Desejaria ser invisível, para não ser visto por ninguém. Desejaria ser cego, para não ver o rosto de Aline. Concluiria, finalmente, que sua vida estaria desgraçada. Que seu fim haveria sido aquele. Um assassino. Arrependeria-se do momento em que acordou.

Não fosse o fato de que Ademar não acordou às onze da manhã, e sim ao meio-dia. Olhou assustado para o rádio-relógio e descobriu estar atrasado para o trabalho. Pensou em apanhar o revólver na gaveta, para entregá-lo na campanha de desarmamento e faturar cem reais, mas decidiu fazê-lo à noite. Mal falou com a mãe e saiu correndo. No caminho, passou próximo à casa de Aline, sua namorada. Viu um casal de namorados beijando-se apaixonadamente há mais de uma hora e se inspirou com a cena. Decidiu atrasar-se um pouco mais e passou para dar um beijo na namorada.

Victor Caparica tem 24 anos, é cronista, e é aluno da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP.

2 Comentários:

Às 1:43 PM , Blogger Suspenso disse...

Fiquei com uma certa vergonha de ver que o autor também estudou na Unesp.
Só espero que ele não estude Letras!!!
Não há "Futuro do Subjuntivo" algum nesse texto, mas muitos verbos no "Futuro do Pretérito".
Não se pode usar ênclise com verbos nesse tempo, criando formas grotescas tais como: Vestiria-se;
Viraria-se.
Lamentável.

 
Às 3:57 AM , Anonymous Anônimo disse...

Textos literários não devem se prender em formas que podem ser grotesca no senso comum utilizado todo dia.

A idéia do texto não é ser gramatical, mas eu posso estar enganado também.

 

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