domingo, janeiro 29, 2006

Amor, apenas

*Postado originalmente em 30/04/05

Ele não poderia apenas dizer a ela "Eu te amo". Tinha que ir na porta da sua escola, com seu violão e cantar "Don´t Let Me Down" dos Beatles. E ainda levar consigo dois amigos para lhe acompanharem. Seriam três vozes, três instrumentos, com apenas uma finalidade.

Ele imaginava que nos versos "I´m in love for the first time" ela já estaria entregue a sua poesia, pois não sabia os últimos versos da canção.

- Cara, ela vai ficar caidinha, você vai parar no meio da música para ela se jogar em seus braços.

Eles nunca tinham conversado sobre serenatas, e de fato não sabia qual seria a reação dela ao ver tudo isso. Talvez ela acharia graça e acharia “bonitinho” ou correria de volta para dentro do colégio para provavelmente pedir para alguma amiga tirar “aquele maluco de lá”:

- Olha, ela pediu pra você parar com essa bobagem, sumir daqui e se possível nunca mais falar com ela.

Ele iria esperar o horário do término das aulas. Afinar seu violão, seu vocal e cantar. Ela já estava atrasada 3 minutos em relação ao horário final das aulas. Ele já poderia imaginar que ela não tinha ido naquele dia. Mas logo pensava, “não estava doente nem nada. Ela está ai sim, e me viu. Vou embora.” E se ameaçasse sair do lugar, seus amigos o fariam retroceder.

Não era nenhum crime o que iriam fazer. E talvez suas amigas ficassem morrendo de inveja.

Não chegava a suar, mas ele sentia seu coração bater com ansiedade. Temeu esquecer as 3 notas da canção. Desafinar nessa hora estava fora de cogitação.

Distraído, ele não percebeu a hora que ela chegou. Mas já estava próxima o bastante para começar a pensar “porque diabos ele está ai?”.

Rapidamente, ele ajeita seu violão, cutuca os dois amigos e faz os primeiros acordes.

- Don´t Let Me Down…

Os amigos ainda se lembravam que hoje mesmo de manhã, eles haviam assistido a um vídeo da banda cantando a mesma canção. E talvez sem querer, ele já imitava o jeito de John Lennon. Mas ela não era, definitivamente, nenhuma Yoko Ono. Era muito melhor.

Os alunos pararam para ouvir. Quem seria aquele rapaz e para quem ele cantava aquela música? Talvez muitos ali nem sequer conheciam essa canção. Mas ela sim. E ele sabia disso. Restava apenas que ela entendesse que aquela canção era seu sentimento mais sincero.
Ela estava ali em sua frente, e ele ainda não a havia encarado. Quando o fez, estava cantando a penúltima estrofe: “It's a love that lasts forever, It's a love that has no past” e emendou com o refrão “Don't let me down, Don't let me down, Don't let me down, Don't let me down”. A música estava chegando ao fim. Para ele a conquista era certa. Ela seria sua, finalmente. Acontece que ele não contava com aquilo: teria de cantar toda a canção. Tentou em vão se lembrar dos últimos versos, ficaram no instrumental por alguns segundos, repetindo as notas da música. Não conseguiu. Sentindo-se humilhado, chamou seus dois amigos, era hora de ir embora. Seriam amigos para o resto de suas vidas. Eles não sabiam disso. Apenas sentiam. Às vezes, sentir é mais do que saber.

Ele ainda a fitou por alguns segundos antes de virar as costas e dar seu primeiro passo rumo à frustração eterna do amor perdido. Ao dar seu segundo passo, lembrou-se dos versos esquecidos. Parecia até ouvir alguém cantar "And from the first time that she really done me". Deu o terceiro passo e continuou a ouvir “Oooo she done me she done me good”. Olhou para trás. Era ela quem cantava.

- Continua a tocar - Disse a ele.
Depois de terminada a canção, ela se aproximava, com suas mãos dava o toque ao rosto dele. Fechava os olhos e o beijava. Depois lhe presenteava com seu lindo sorriso.
- Tenho que ir, mas precisamos conversar depois...


Thiago Augusto
* Participação especial de Rafael Rodrigues

sexta-feira, janeiro 27, 2006

À Maíra

Maíra, obrigado por se manifestar e responder o post anterior :)

Puxe um banquinho e fique à vontade para conversar conosco.

Tens blog? Msn? Google Talk?

Mais uma vez, obrigado pela atenção e esperamos que continue gostando do nosso humilde blog.



Abraço,
Rafael Rodrigues (em nome das 3 Vozes)
(rafaelvox@hotmail.com)

Aviso

Olá, tudo bem?

Se você conheceu o blog recentemente, vai aqui um aviso: estamos postando novamente alguns textos, os que consideramos "melhores" ou os que mais gostamos. Alguns inéditos já foram postados e com certeza serão, mas não com tanta frequência. Essas nossas "férias" devem durar até fevereiro, portanto, aproveitem pra rever o que foi visto ou ver o que foi perdido.

E aos novos visitantes, sintam-se à vontade e voltem sempre!


3 Vozes



P.S.: Nos últimos dias percebemos que alguém tem visitado o blog e lido vários de nossos textos. A curiosidade matou o gato, mas, nesse caso, só o Dudu corre esse risco, pois ele é o gato do 3 Vozes. Mas isso não vai acontecer, porque vaso ruim não quebra. Se a pessoa quiser e puder se identificar, vai aqui o nosso email: 3vozes@bol.com.br.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Lembranças

* Postado originalmente em 29/05/2005


Desde quando nos casamos – há quinze anos – que eu não tive coragem de abrir aquela caixa na qual se refugiavam minhas lembranças. Tudo o que eu pude guardar entre meus dezoito e vinte e dois anos estava ali: intacto, intocável. Apenas eu sabia o que estava guardado ali dentro. E havia esquecido. Em vinte e dois anos muda-se muita coisa, esquece-se muita coisa. E procura-se não lembrar de certas coisas...

Vera saíra com as crianças. Não fui; aleguei cansaço. Adoro minha sogra, mas realmente estava exausto. Foi uma semana tumultuada no jornal. Todo o escândalo envolvendo o presidente, e, além disso, a ameaça de guerra com o Paraguai. Eu precisava de um descanso.

Acordei quase ao meio-dia. Vera deixou o almoço pronto para mim. Comi, liguei a tv e comecei a ler um livro. Adormeci.

Em nossa casa havia um quarto que ficava um tanto quanto escondido. Ficava nos fundos e somente eu tinha a chave. Era lá que eu guardava meus velhos livros, minhas ferramentas, minha velha bateria – guardava apenas por capricho, não ousava mais toca-la – e a velha caixa com minhas velharias. Lembranças. Resolvi ir até lá e ver o que havia dentro dela. Na verdade eu já sabia o que iria encontrar. Apenas fingia que não.

Há muito tempo não mexia nele. Não era uma caixa, era um baú. Um grande baú, muito bonito por sinal. Lembrei de quando o vi pela primeira vez naquela enorme loja de decoração. Estivera ali para comprar o presente de casamento de um amigo. Meses mais tarde voltaria para comprar aquela linda peça.

Ele estava ali, na minha frente. Abri-lo ou não, eis a questão. Havia um cadeado. Lembrei que a chave estava escondida em alguma de minhas gavetas. Minutos depois, com ela em mãos, abri o velho baú.

Fui tirando o que havia dentro dele aos poucos. A primeira coisa que saiu foi minha coleção de facas que estava guardada dentro de uma caixa. Ainda estavam em bom estado, mas precisavam de uma boa limpeza. Logo ao lado um outro pacote: meus velhos cadernos. Folheei alguns. Do pouco que consegui ler, muitas bobagens. É engraçado reler antigos escritos. “Eu escrevi isso?”, “Nossa, que porcaria...”, “Epa, isso é bom...”. Encontrei também revistas que guardei por conterem matérias importantes sobre personalidades falecidas na época.

Alguns velhos livros, minha coleção de cartões telefônicos... Enfim, bobagens. Curiosamente tudo bem conservado.

Quando pensei que não havia mais nada ali, havia a última caixa lacrada. Não pude deixar de abri-la. Era para isso que fora ali. Utilizei uma das facas que milagrosamente estava bem afiada e abri o pacote.

Dentro dele, cartas, lembranças e fotos daquela que foi o grande amor de minha vida. Ao ler aquelas palavras, ver aquela letra e aquelas fotos, lembrei de tudo o que havia passado com aquela jovem que tanto amei e que hoje talvez não mais lembrasse de mim.

Tomado por uma sensação de extrema angústia, deitei num chão que minutos depois estaria vermelho e úmido.

Acordei quando Vera chegou com as crianças. A tv ligada e o livro no chão. No dia seguinte mandaria queimar aquele baú.

Não se deve guardar certas lembranças.


Rafael Rodrigues

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Arrependimentos - Parte II

Postado originalmente em 28/05/2005

Enquanto Cronos brincava nas folhas Fernando mergulhava outra vez em seus pensamentos. Lembrava-se de perguntar espantado o porquê daquele presente, “Não é meu aniversário” havia ele dito em tom de ironia, “Eu sei bobinho, é o meu!” e as lágrimas rolaram novamente de seus olhos nessa lembrança, mas não tentou contê-las dessa vez. “Não precisa ficar envergonhado amor, sei que sua memória não é lá essas coisas pra datas e nomes, mas eu te amo assim mesmo.” e o beijara daquela maneira terna e apaixonada, eles estavam namorando havia 8 meses, como ele esquecera do aniversário? No dia ele nem deu tanta atenção, mas hoje o arrependimento corroia sua alma, como podia esquecer do dia do aniversário da pessoa mais importante de sua vida? Não o sabia na época ainda, ou não queria admitir para si mesmo. Ela se doara tanto, e ele tão pouco e imerso em suas lembranças seu coração apertou de novo, vinha um vazio que começava na barriga e parecia que iria sair pela boca. Tentou conter-se, mas desatou a chorar. E a enxurrada de lembranças não parava.

“Carla, a pressão está demais em minha casa. Minha família não consegue aceitar nosso romance, a pressão tem sido grande demais pra mim!” silêncio, “Eu amo muito você e não ligo se você teve de fazer o que fez pra poder pagar sua faculdade durante tanto tempo, sei que você precisava e que hoje é diferente, mas eles... eu não agüento mais...” lágrimas em seus olhos, “O que você quer que eu faça? Fuja com você? Eu não posso Carla! Sei que é intenso, sei que a amo, mas não sei se estou disposto a abrir mão da minha vida, de tudo que conquistei, e se você...?” “Se eu o que Fernando? Se eu o trair pra pagar alguma conta? Se a vadia da Carla deixar você na mão? Não sei o que dizer, se meus atos até hoje não falaram nada a você, não existem palavras minhas que possam.” e assim ela saiu daquele banco onde se conheceram e foi embora de sua vida de uma vez por todas.

Ele sabia os esforços que ela havia feito por ele, ele lembrava do carinho que dispensava a ele, das declarações feitas sob o olhar de sua freqüente testemunha, a Lua. Ele arrependeu-se 2 semanas depois e ligou para sua casa querendo falar-lhe, mas ninguém atendeu. Ligou pro celular, mas estava desligado. Foi lá e descobriu que o apartamento estava vazio. Procurou algumas de suas amigas e a única que resolveu recebê-lo falou que ela havia voltado para a cidade de sua mãe e que moraria por lá, mas não o deu o número de telefone e ele foi corroído por uma enorme raiva de si mesmo por nem mesmo lembrar o nome da cidade, ela o havia dito, sim, havia dito algumas vezes, mas ele, como sempre, não prestou atenção.

Procurou-a por meses a fio, fez contato com amigos, parentes dela e descobriu onde ela morava na época. Tirou folga do trabalho e foi disposto a lhe fazer uma surpresa, não quis correr o risco de ligar e ela desaparecer outra vez e dirigiu por 2 dias até que chegou no endereço certo. Chegara muito cansado, mas não podia conter a curiosidade e ansiedade por vê-la finalmente após 6 meses, o que parecia uma eternidade. Bateu na porta e uma senhora atendeu, tinha seus 65 ou 70 anos, era baixinha, cabelos completamente brancos e um sorriso vazio. Parecia ser muito só e assustou-se a ver o Fernando batendo em sua porta com um buquê de flores do campo (as preferidas da Carla).


Continua...

domingo, janeiro 22, 2006

Despedida

*Postado originalmente em 26/02/05


Não houve tempo pra saber
quando foi que vi
que ele estava lá.

Só sei que foi tão de repente,
que ao rever os fatos
nem posso contar.

O tempo passou tão depressa
ou será que ele se pôs a escutar?

Meu olhos iam tão atentos observando
o tempo que ficou pra trás.
As árvores passavam depressa
molhavam as lágrimas que posso lembrar.

As malas já estavam prontas,
eu sorria tonta sem acreditar.
A saudade já matava aflita
Vida esquisita pra se lamentar.

Foi quando ele chegou mansinho,
cheio de carinho que nunca soube dar.
Falou de um jeito nunca dito antes,
Olho em meus olhos, disse "meu amor".

"Eu sentirei sua falta, tanta.
que minha palavras nada vão valer.
Só peço que sempre volte logo.
Transformar a flor de meu bem querer".

Seu olhos me mostravam claro,
o que todas palavras não iam dizer.
E agora restam poucas horas.
Desengasgar a vida que se há de fazer.

Tocou sua mão na minha,
sem fazer gracinha
de seu jeito de ser.

Me trouxe perto da cintura,
sem fazer usura do acalanto meu.
Seus olhos me davam carinho
e bem de pertinho um beijo concedeu.

"A falta que você fará
Não tenho razão para expressar.
Mas posso avisar o tempo
Que o nosso amor nunca vai faltar!"

Agora eu vejo essa estrada,
que me levará aonde quero estar.
Um sorriso em desenho no rosto,
com meu olhar posto no que vai passar.

Carrego a foto da familia,
O texto despedida que irei guardar.
Em breve essa carta chega
trazendo noticias que vai lhe contar.

Que a saudade já é tão tamanha que
nem mais com fotos dá pra aguentar.
Em breve, logo, to voltando,
vá se segurando para me esperar.
Já que agora alem dá saudade,
Nasceu, talvez, outro bom motivo
para retornar.

Thiago Augusto

sábado, janeiro 21, 2006

Arrependimentos - Parte I

Postado originalmente em 27/05/2005.


“Que horas?” – resmungou ele baixinho para si mesmo e olhando para o rádio relógio franziu toda a testa num gesto de desolação.

A muito custo conseguiu levantar-se da cama, apesar de não estar mais com sono, ele sabia que dormira apenas 4 horas, quatro agoniadas horas e não se lembrava mais da última vez que dormira sossegadamente até às 6 e pouco da manha quando os primeiros raios de sol que escapavam pela sua janela de vidro sem persianas o acordava devagarzinho, primeiro o fazendo colocar o travesseiro sobre o rosto para não incomodar a vista, depois aquecendo todo seu corpo dando-lhe uma vitalidade e disposição que jamais sentira ou teria esperanças de sentir novamente.

Tomou um rápido banho, pois fazia muito calor naquela época, apesar das nuvens carregadas no céu o efeito era similar a uma estufa. Colocou seu moletom cinza, a camisa pólo branca e sua boina cinza grafite que guardava para dias como esse. Conferiu o relógio e viu que eram 4 e 20 da manhã, apenas 10 minutos haviam se passado desde que acordara. Colocou pedaços de pão da noite anterior para torrar enquanto preparava um café quente ao som dos velhos e saudosos Beatles.

Sentou-se só à mesa, como de costume, mas esse dia era diferente, ele sentia um vazio imenso corroer sua alma por dentro, dando mordidas pequenas como que querendo moê-lo e matá-lo aos poucos. Costumava dizer que gostava de comer só, sentia-se mais à vontade, mas não mais, desde que conhecera seu grande amor e o deixara escapar por entre os dedos sentia sua falta em cada hora do dia, mas tentava não pensar muito nisso e assim sobrevivia sem grandes transtornos, mas o dia do aniversário dela... ah! Esse dia era cruel. Fernando lembrou-se do seu sorriso meigo, constante e provocador que o abordou naquele mesmo dia 8 daquele mês, uma lágrima escorreu pelo seu rosto e ele logo enxugou seu rosto com a boina e resolveu não tomar mais o café, apenas caminhar pelo parque para não pensar mais naquilo.

Fernando não gostava muito de animais, mas ela o ensinara a gostar de cachorros, a admirar sua lealdade cega, seu carinho incondicional. Ele continuava não gostando muito, mas ter um por perto, o que ela o deu, era uma forma inconsciente de manter sua memória viva pela casa, na sua vida. Chamou o Cronos com um assobio e colocou sua guia devagar e cuidadosamente enquanto via em seus pensamentos ele ainda filhote sendo entregue pela sua musa perdida, lembrava do lacinho em seu pescoço, vermelho, contrastando com sua cor creme, comum a labradores, e seus olhinhos de filhote que causavam nele um sentimento perturbador de vontade de cuidar. Outra lágrima escorreu e o Cronos o acordou do transe com um latido forte e um abanar de cauda para seu dono. Este abriu a porta e saiu em meio à neblina daquele começo de dia.

Morava perto do parque e não levou mais que 10 minutos para chegar nele, apesar de ser madrugada, o parque estava bem iluminado e já havia pessoas caminhando, correndo, buscando inspiração e outras apenas gastando um tempinho com seus amores. Esse último o incomodava bastante, lhe dava sensações de deja vu. Sentou-se no banco de costume enquanto tirou Cronos da guia, para que pudesse dar uma volta no perímetro de sempre, já que fora treinado e toda vez que alguém se aproximava, voltava para perto de seu dono, isso quando saia de perto, não tinha a mesma disposição de antes, estava velho para um cachorro.
Continua...

terça-feira, janeiro 17, 2006

Reflexos

* Postado originalmente em 15/08/2005

Deitado na cama, quarto às escuras. Som ligado, volume alto. Incomoda os que estão do lado de fora. A qualquer momento alguém pode abrir a porta e vê-lo cantar, acompanhando o disco. Está totalmente entregue àquele momento. Daquela forma ele celebra sua solidão. Não se importa com os estranhos que podem invadir seus domínios a qualquer momento. Nem mesmo lembra de si próprio. Apenas ouve e canta. Se a música incomoda aos outros, não é problema seu. Poderia passar dias, meses, anos, fazendo aquilo. Repetindo canções, exaltando-se com elas. Sentido-as invadir seu corpo, correr por suas veias. Lembrar da pessoa amada e sentir um frio na espinha.

Ali está ele: inofensivo e vulnerável. Aparentemente. Basta que alguém abra aquela porta e ele é capaz de destilar mais veneno que a mais mortal das cobras. Não se sente na obrigação de ter alguma paciência com quem quer que seja.

Estava com os olhos abertos, olhando para o teto que não conseguia enxergar. Agora fecha os olhos e dá de cara com o travesseiro. Pede – ao vazio – mais alguns minutos. Relaxa. Não quer mesmo sair dali. Não sabe se está sendo ou se foi observado. Para ele, nada mais importa naquele momento. Apenas ele e somente ele.

São poucas as vezes que consegue esquecer de tudo e de todos. Principalmente de si mesmo.

Não tem mais tempo. Levanta-se. Fim da escuridão. A luz toma conta do quarto, antes iluminado pelas trevas.

Pensa em todos que ele irá enfrentar. E pensa – sabe – que é fácil enfrenta-los. Difícil é encarar a si mesmo, diante do espelho.



Rafael Rodrigues
(há muito, mas muito mesmo, tempo atrás...)

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Madrugada

*Postado Originalmente em 21/07/05

Era um orgulho singular. Pela primeira vez a garota recatada cedia espaço à garota febril e intensa. O corpo em prioridade, com mente e responsabilidade banidas de sua consciência.
Gustavo não era um garoto tão bonito, mas foi escolhido para realizar seus desejos. Ele a conhecia a menos de um ano. E Fernanda sempre foi uma bela garota, que respeitava a si mesma, acima de tudo. Gustavo não acreditava no que acontecia aquela noite.
Tudo começou da forma como sempre acontece. Eles apenas dançavam. E conversavam, entre um passe e outro, como colegas que sempre foram. Mas de súbito, ao rodar tão perto de tão bela face, ele a quis beijar. Aproximou-se de seus lábios como quem cheira uma flor. E o beijo, que depois se transformaria em vários, aconteceu.
E agora não poderia imaginar que o ponteiro do relógio não circulara nem uma hora desde aquele beijo. No chão via as roupas de ambos. Sua calça antiga em contraste com uma camiseta recém adquirida. A roupa de Fernanda, agora sensualmente bela e nua, não era vulgar, mas valorizava seu belo corpo, percebido há pouco tempo pelos que a cercavam.
Os dois, nus, se beijavam com a fúria das tempestades. E cada contato que tinha com Fernanda era correspondido não só com gestos mas com palavras que refletidas em seus ouvidos causavam um efeito ainda maior de adrenalina.
O corpo dele, sob o dela, causou efeitos nunca antes desvendados pela sua consciência. Seu desejo era sentir o calor do impacto de um corpo com o outro. No destemido movimento carnal que ambos consumavam.
Tão rápido se iniciaram, tão rápido se findaram. Ele incrédulo e ela lisérgica Olhando para o vazio como alguém que ainda não se recuperou completamente do que aconteceu há pouco.
Somente horas depois que ele pôde realizar o que realmente havia acontecido: Fernanda estivera em seus braços. Em seu corpo, nesse momento, ele não exalava outra coisa além do perfume dela incrustado em todos seus poros.
Assim que ela voltou para sua casa, Gustavo se lembrou de tudo novamente, e obteve quase a mesma sensação sentida naquela noite.
Ela, ainda não arrependida, abria as portas para um novo momento de sua vida. Sem saber que naquela noite não existiu Fernanda alguma. Só havia, naquele quarto, a presença de uma puta.

Thiago Nogueira

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Céu da cor de baunilha (Vanilla Sky)

* Postado originalmente em 15/05/2005


Entardecia, e às vezes no fim da tarde, aquele jovem voltava seus olhos para o céu. Adorava ver o céu da cor de baunilha.
Era sábado, fim de tarde. As pessoas passavam, alguns garotos jogavam bola, entregadores de gás faziam o que tinham de fazer: entregavam gás a quem pedia (e tinha dinheiro para pagar).

Tudo isso - ou somente isso - acontecia enquanto dois jovens estavam sentados num banco de praça. Sentaram-se ali para falar de amor.
O rapaz, muito sério, não olhava muito para a jovem que estava a seu lado. Fossem eles namorados, poder-se-ia dizer que estavam brigados. Mas eles não tinham relacionamento amoroso algum; e falavam de amor.

Ela pedia ao rapaz que a olhasse nos olhos. Havia feito uma pergunta e exigia uma resposta. Ele, coitado, tinha medo de encará-la. Tinha medo de não resistir aos encantos daquela garota que ali estava lhe entregando o coração.
Pensou em mentir. Dizer que não sentia por ela nada além do carinho que se tem por um amigo. Quis dizer aquilo, mas não conseguiu. Não é fácil mentir para quem se ama. Depois de alguns minutos de silêncio, o jovem enfim disse o que tinha de dizer. Ele gostava muito dela, e só queria o seu bem, o melhor para ela. E o melhor para ela não era ele, e sim o outro. Disse também que queria o mesmo que ela, e que eles poderiam fazer o que queriam, mas não deveriam. Era difícil falar isso, mas era o que deveria ser dito.

E então ela perguntou se era assim que tudo iria acabar. Se cada um iria para seu lado, e se encerraria daquela maneira. Ele nada respondeu. Ela perguntou se não era hora de irem embora. O rapaz continuava calado. A jovem então perguntou se ele queria realmente ir embora, e levantou-se.
O jovem não se movia, e pensava em dizer que sim, queria ir embora, que acabara ali algo que nem havia começado. Mas não, ele não fez o que tinha de fazer; novamente vacilou. Estava perdido, e não seria fácil se encontrar. Finalmente voltou a si e disse - repetiu - que queria o mesmo que ela, mas que não era certo, e que precisavam mesmo se afastar.

Por ser mulher e por toda mulher fazer um homem sofrer, ela pediu-lhe um beijo. Ele negou, e lhe deu um abraço. Quis ser carinhoso, e deu-lhe um beijo na testa. Mas não puderam evitar. Ela queria, ele também, e seus lábios se tocaram.
A esse momento o céu não era mais da cor de baunilha. Escurecia. O vento ventou mais forte e as plantas tremeram - assim como aqueles jovens tremiam de amor.

Depois do beijo, a separação. E a dor de saber que nunca mais estariam juntos. Tão perto.


Rafael Rodrigues

terça-feira, janeiro 10, 2006

Desejo


Publicado em 30/01/2005


Talvez seja egoísmo esperar que todos entendam
Talvez seja pretensão querer que todo mundo se importe
Quem sabe é utopia imaginar um dia
Que todos que por esse caminho vieram
Percebam o quanto de mim levaram
Mais do que isso, mataram
Pelo simples fato de serem tudo que sempre foram
Mas na verdade nunca se importaram
Presos em seu egoísmo inquestionável
Quando tudo que sempre pedia
Era alguém que ficasse ao meu lado

Eduardo Leite

domingo, janeiro 08, 2006

Um Tango à Luz Do Luar

*Postado originalmente em 24/02/05

Peço permissão para me apresentar. Mas é fato que já sou conhecido.
Meu maior triunfo é acharem que nunca passei de uma ilusão. Sou um mágico, te confundo com palavras ocas, e sem perceber já fiz o truque de te cortar ao meio.
O que mais te assusta é a natureza de meu jogo. Você se arrisca a um palpite?
Podemos até fazer um jogo, a cada palpite certo eu te poupo do inevitável, se você errar, eu conto seu segredo... Não há nada melhor do que jogos mortais.
Já vi muitas coisas acontecerem, e até hoje não estou cansado. Cair foi o melhor que pude fazer. Erguer meu próprio império. Oposto. Talvez sem alguns tributos, mas quase perfeito.
Eu vi quando o pobre nazareno penava pelos pecados dos outros, eu sentia sua dor e exaltava sua duvida. “Será que é isso que você quer fazer... Tem certeza??”.
Era minha risada que ecoava em campos de batalhas, enquanto reis traidores com suas rainhas imundas brigavam por décadas por seus valores e seus deuses. Me alimentei com cada sangue escorrido de “inocentes” que nem mesmo precisei perverter.
Me diga qual o seu nome? Lhe prometerei fortunas se selar seu sangue com o meu, mas mantenha discrição, um homem de bom gosto como eu sempre tem seus inimigos. Pense no agora, e em tudo que você sempre quis ter em sua mão... No fim o preço sai barato demais.
Será que já adivinhou meu nome? São tantos que há uma marca própria em cada letra do alfabeto. Ao contrário de alguns, sempre respondo quando me chamam. Sou fino e educado. E de extremo bom gosto.
O que mais entristece é aqueles que dizem que gostam de mim, para manter uma postura malévola. Desses dreno cada parte de seu sangue, com a ponta de uma agulha. Com um simples veneno. Doloroso. Pois nada nesse mundo é mais prazeroso pra mim do que a dor dos mortais.
Me comove aqueles que acham que sabem jogar meu jogo, para eles guardo meu truque mais barato, o medo. No fim todos são um pouco meus escravos.
Nenhum mortal é puro, graças a mim e a dúvida de uma mulher.
Perdão pela minha indelicadeza, mas preciso me apresentar: Tenho muito nomes, mas você pode me chamar pelo nome que fui chamado por Ele: Lúcifer. Prazer em te conhecer. E antes que me esqueça. Eu sei o que você fez...

Thiago Augusto
(08/04/04)

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Postado em 15/05/2005


Muitos cientistas começaram teorias e mais tarde "verdades científicas" estudando a si mesmos. Freud analisava seus próprios sonhos, Tichener fazia introspecções dele mesmo e por aí vai... A auto-análise diz muito, mas não é disso que venho falar. Quero falar da conclusão chegada por um amigo - o qual não revelarei o nome em benefício de sua reputação como ser dito "normal".
Você entrou em relacionamentos difíceis? Com amigos, namorados, colegas de quadra? E fica se perguntando se colou chiclete na cruz, atrás da cabeça do homem, se é karma ou se costuraram sua foto na boca de um sapo, colocaram na barriga de uma galinha preta e jogaram numa encruzilhada? A resposta é mais fácil do que você imaginaria... A CULPA É SUA.

Geralmente as pessoas que reclamam ter relacionamentos difíceis não percebem uma coisa: pessoas parecidas ou iguais a nós não nos atraem. Geralmente, se o faz, não é pela pessoa: você apaixona-se por si mesmo. Isso mesmo. Estou falando do narcisismo que é mais comum do que o percebido. Em muitos casos, mas não em via de regra, talvez apenas o caso das pessoas que dizem sempre se envolver com pessoas erradas. São atraídas por essas pessoas tão diferentes, tão instáveis, tão complicadas... Os sujeitos apaixonam-se pela possibilidade de conviver com a diferença, com aquele problema a ser resolvido, o risco a ser corrido... Atrai e é atraído pela instabilidade - assim como somos por doces mais do que por carnes em putrefação. É um mecanismo "incontrolável" quando imperceptível, ignorado, subestimado.

Conhecer a si mesmo é um fator positivo para uma vida saudável no geral. A auto-aceitação, o auto-conhecimento, nos faz senhores de nossas vontades ao invés de escravos e vítimas delas. Nossas emoções são presentes biológicos herdados e aprimorados ao longo da vida e não espetos encravados em nossos "corações". Devem sempre (sem medo do erro de falar sempre) ser dosados e guiados pela razão, porque se ao menos insistir no erro, vai com tudo preparado pro caso de dar errado. Afinal, a razão também arrisca: é razão, mas não uma chata. Desde que ande de mãos dadas com as emoções. Sem medo de apostar, se doar, abrir mão e viver. Que chato seria também se fosse tão fácil.


Eduardo Leite

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Trajetória

* Publicado originalmente em 02/06/2005

Escritor de sucesso aos 50 anos.
Divorciado aos 40.
Aos 37 assistiu à prisão do filho mais novo por tráfico de drogas.
Casou-se pela segunda vez aos 35.
Aos 32 encontrou o filho mais velho morto em sua própria casa, suicídio.
Divorciado aos 30.Pedófilo desde então.
Nasce seu segundo filho, 28.
Aos 27 foi finalmente reconhecido literariamente. Terceiro livro.
Segundo livro publicado, primeiro casamento, 25.
Formado em jornalismo aos 24.
Aos 22 uma tragédia: o fim traumático de um quase-casamento. Sua noiva comete suicídio.
Seu primeiro filho vem ao mundo quando ele tem 21 anos.
Quase 16, morando com os tios.
Assassino aos 15: o pai.
Até então, 14, uma criança infeliz, atormentada.
Vê o pai chegar em casa bêbado, várias vezes. Apanha. Várias vezes. Apenas 12.
Parto problemático: sua mãe não sobrevive.



Rafael Rodrigues

quarta-feira, janeiro 04, 2006

O jogo da amarelinha

Pablo Neruda disse:

"Qualquer homem que não leia 'O jogo da amarelinha' está condenado. Não lê-lo é uma doença grave e invisível que, com o tempo, pode ter terríveis consequências. Não quero que essas coisas aconteçam comigo, então devoro avidamente todas as invenções, mitos, contradições e jogos mortais do grande Julio Cortázar."

Pablo Neruda (1904-1973): poeta chileno, um dos mais idolatrados pelos literatos. Ganhou o prêmio Nobel de 1971.

Julio Cortázar (1914-1984): escritor argentino de fama mundial.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Bellini e o Barulho

* Publicado originalmente em 08/05/2005

Editora: Companhia das Letras
ISBN: 8571647283
Ano: 1999
Edição: 1
Número de páginas: 257
Acabamento: Brochura
Formato: Médio

Como um fã de cultura em geral, sebos sempre me atraem. Quando ocorre a necessidade de um livro, passar em um "só para ver se, por acaso, tem o livro" é só uma desculpa para bisbilhotar e procurar por novidades.

O que mais gosto é achar em meio a livros realmente velhos, algum ainda branco, quase novo. Comprado por alguém alguns anos atrás e que foi recentemente vendido a loja.

Encontrei em cima de uma das prateleiras de Literatura Brasileira, o segundo romance policial de Tony Bellotto. "Bellini e o Demônio". O livro só estava um pouco torto. Provavelmente seu comprador inicial era descuidado e não se importava de quase dobrar o livro para fazer sua leitura.

Pensei: "Mas é só uma coisinha torta, depois com alguns pesos a lombada fica de novo um pouco mais reta."

Abri a primeira pagina, lá estava o preço, R$12,00. Achei de inicio caro. Mas sempre freqüento esse sebo e pela primeira vez já fui ao caixa com intuito de pechinchar.

- Vou pedir o que quase todo mundo pede, aquele descontinho.

O moço pegou a calculadora, fez alguma conta e chegou a 10 reais no preço do livro. Ainda jogou um charme dizendo que o livro "tinha chego hoje".

Comprei e deixei para trás os livros que não encontrei.

Abro hoje a primeira página, acho interessante a frase inicial do livro. Uma noticia de jornal, cortada com os comentários da personagem principal, o detetive Bellini.

Entro imediatamente na história, já sinto aquele clima sujo de romances policiais, estou quase indo para a terceira pagina do romance quando...

A vizinha liga o aparelho de som, em uma musica horrível, em um volume muito alto. De repente me vi, não mais em uma São Paulo suja habitada por putas, mas sim no meio de um inferno musical.

Fecho o livro, triste. Bellini, infelizmente, não descobrirá nessa tarde qual será sua próxima investigação.

"Talvez mais tarde, cara. Talvez mais tarde!"

Sento no meu computador para escrever essa crônica e agradeço ao homem inventor do fone de ouvido.

Thiago Augusto